Daqui a cinco, 10 ou 20 anos, durante qualquer jogo antecedido ou ocorrido em meio a tempestades como a de ontem, um de nós haverá de comentar: “Mas aquela tarde contra o SPFC no Morumbi foi ainda pior...”. Sim, porque todos os que estivemos por lá na tarde do último domingo participamos de um acontecimento que pode se equiparar a outras tardes memoráveis do torrencial verão paulista. De imediato, consigo me lembrar do Palmeiras 3-1 SCCP de 1998, do Palmeiras 2-1 Fluminense de 1999, do São Caetano 1-2 Palmeiras de 2007... e peço ajuda aos senhores para lembrar de outros.
São jogos que serão sempre associados a grandes tempestades. A maioria pode nem se lembrar dos gols ou dos resultado, mas todos terão lembranças da chuva. A de ontem, por exemplo, teve lá suas particularidades. Bem antes da partida, por volta das 14h, a chuva pareceu descer a Giovanni Gronchi em nossa direção. Não deve ser impressão minha, e os amigos que por ali estavam podem me corrigir, mas a água pareceu descer a avenida, permitindo ainda que alguns corressem em direção ao estádio para escapar dela. De nada adiantou, uma vez que os bravos e valorosos homens do 2º BP Choque não permitiram o acesso à arquibancada.
Lá fora ficamos, alguns abrigados perto da bilheteria do visitante (aquela merda ainda funciona?), outros no ponto de ônibus, alguns tomando chuva mesmo. A coisa só melhorou quando, abertos os portões, pudemos ficar embaixo da arquibancada, esperando que aquela água toda parasse de cair em algum momento qualquer. Conversa daqui, conversa dali, e nada de a chuva parar.
Quando entrei na arquibancada, 10 minutos antes das 16h, só o que consegui ver foi o gramado alagado e o meu lugar habitual, o primeiro degrau perto do muro lá de baixo, completamente submerso, com direito a neguinho com água pelos joelhos e outros até nadando naquele aguaceiro podre. Até desci um pouco para me certificar do ocorrido, e percebi então que o SPFC é um time tão à frente de seu tempo que já pensou em fazer uma piscina na arquibancada para alegrar o público. É a vanguarda...
Chovia, chovia e chovia. E ficamos ali, embaixo da arquibancada, entre informações desencontradas e conversas sobre outros jogos disputados sob chuvas torrenciais. E meu medo, confesso, era que o jogo fosse adiado, sei lá, para a segunda-feira à tarde. Era a informação que corria, e então eu já comecei a pensar no malabarismo que teria de fazer para deixar o trabalho no meio da tarde de segunda para ir pra guerra. Meia hora de espera... e depois mais meia hora. Conversávamos sobre a possibilidade de adiar o jogo para outro dia, mas parecia mesmo não haver data disponível.
A chuva, que não parou um minuto sequer durante todo o dia, cessou em determinado momento e então a vanguarda do SPFC se fez notar mais uma vez. Em meio àquele cenário que um dia foi estádio de futebol, entraram em ação os modernos rodos do Morumbi. Eram dezenas de sujeitos empurrando a água para as laterais do gramado, e eu só não sei dizer como foi que conseguiram fazer a drenagem dos bancos de reservas e dos vestiários – porque, segundo informações vindas pelo rádio, estavam eles também todos alagados.
De volta à arquibancada, notei então que meu lugar tinha reaparecido. Esvaziaram a piscina! Vejam só como são arrojados, pioneiros e diferenciados esses dirigentes do nosso inimigo: a piscina enche e esvazia muito rapidamente. É a modernidade, senhores. Aí, já com a água da piscina escoada para os setores inferiores (piscina com cachoeira, vejam que moderno...), pudemos descer e lá fiquei eu, um pé no primeiro degrau da arquibancada e outro apoiado no muro.
A visão dali é privilegiada, com o gol logo abaixo, os rivais um pouco à direita e todo o campo à esquerda. Isso, é claro, sem falar em todos os outros diferenciais: o buffet infantil seguia firme e forte, com seu moderno trenzinho entrando e saindo do campo; lá do outro lado, a academia parecia um ponto de encontro de gente mais preocupada em confraternizar do que com o jogo que aparentemente acontecia ali no gramado.
Ao jogo, portanto. Começo por dizer que houve respeito a todos os doentes que pagaram pelo menos R$ 40 para tomar toda aquela chuva e que por ali ficaram em meio à indefinição entre dirigentes, árbitros (agora tem mais dois para palpitar) e demais interessados. Se houve pressão da emissora que transmitia de TV, não faz muita diferença. Importante é que os torcedores de verdade, aqueles que enfrentaram todos os obstáculos para ir a campo, puderam assistir a um clássico à altura da história.
Palmeiras e SPFC foram a campo, cada qual exibindo o que podia. O SPFC abusou da velocidade de seus atacantes. Ao Palmeiras, couberam o esforço coletivo e as ilhas de talento tentando se sobressair para igualar o duelo. O empate, ao final, me pareceu ser o resultado mais justo, e o Palmeiras não poderia mesmo deixar o Morumbi com uma derrota, tantas foram as chances criadas e tamanho foi o empenho de seus dois principais jogadores, Kléber e Valdívia, ambos lutando contra a falta de qualidade do restante do grupo.
Valdívia, Kléber e dali para Adriano. O gol do empate, suado, sofrido e molhado, premiou o esforço do time e a vibração dos nossos 3.600 guerreiros. Depois de tantos gols que deixaram de existir, o chute de Adriano, cruzado, rasteiro e seco, foi o chute que todos nós, molhados até a alma, gostaríamos de desferir. GOL, PORRA! Só sabe o que é essa felicidade quem vai a estádios e toma toda essa chuva à espera de um momento que pode ser único – como foi.
Do outro lado, a massa tricolor ficou calada durante a maior parte do jogo, um pouco mais nos minutos finais, quando os visitantes tentávamos empurrar o time à vitória. E ela bem poderia ter vindo, para acabar de uma vez por todas com esse tabu que, admito, já incomoda há muito tempo, por mais que seja sustentado, todos sabemos, por muitos e clamorosos "erros" de arbitragem.
Se não veio a vitória, resta a certeza de que estaremos lá no Morumbi em todas as próximas vezes, sempre prontos a defender o Palmeiras e a lutar. Foi assim em todas as últimas, e será assim sempre.
Com o passar dos anos, o clássico será lembrado por cada um de nós por todo o ambiente que o cercou: o início da chuva, ainda do lado de fora; a espera embaixo da arquibancada; as conversas com os amigos; as informações desencontradas; o temor de um jogo remarcado para segunda à tarde; a frustração por não poder encarar de frente o inimigo; os torcedores que não conseguiam chegar ao campo; a piscina no nosso lugar; o frio que veio em decorrência da chuva; o ódio sempre presente; a dificuldade para chegar à área adversária; o gol que trouxe alívio para o nosso lado; o clássico, enfim. E sempre haverá algum para acrescentar um detalhe aqui e ali.
Para encerrar, deixo um recado para os rivais: entendo que vocês, modernos, arrojados e visionários que são, queiram ampliar as opções do estádio, mas já foram além da conta. Tudo bem que queiram construir bar, academia, livraria e até buffet infantil, mas o meu lugar na arquibancada eu ainda prefiro que seja só um pedaço de cimento e não uma piscina.
***
-O empate acabou sendo satisfatório em termos de pontuação, mas fica a sensação de que poderíamos ter ido além;
-A chuva mudou a prioridade, mas, antes do jogo, a ideia era escrever sobre o processo que destruiu a identidade dos clássicos paulistas. Fica para um próximo post;
-Os coxinhas estão cada vez mais restritivos, e agora o contato visual entre as duas torcidas antes do jogo não existe mais, com uma divisória que ocupa toda a Giovanni. Isso ao menos serviu para interromper o tráfego de veículos pesados na avenida que dá acesso ao nosso setor.
Elenco2
Há 20 horas