O jogo que valeu ao Palmeiras a classificação para a semifinal da Libertadores pelo terceiro ano seguido (1999, 2000 e 2001) é menos lembrado do que deveria. Provavelmente porque eclipsado pela eliminação em casa contra o Boca na fase seguinte, outro tanto porque disputado longe de nossos domínios, talvez até mesmo porque aquele time não era assim dos mais memoráveis. Mas foi um jogo e tanto, repleto de detalhes que só ganharam ainda mais relevância com o passar dos anos. Vejamos:
A partida aconteceu em um 30 de maio, exatos três anos depois de termos batido o Cruzeiro na final da Copa do Brasil. Cruzeiro este que, diga-se de passagem, foi um adversário dos mais insuportáveis desde a segunda metade da década de 1990. A data do jogo decisivo (30 de maio) era sintomática do que estava por vir. Querem mais? Lembro então que o técnico do outro lado era logo Luiz Felipe Scolari, o homem que nos levou à conquista da América dois anos antes e que havia deixado o clube no anterior. No nosso banco, um técnico dos mais contestados, Celso Roth, uma tentativa pouco inspirada de substituir Felipão.
Aquele Palmeiras começou o ano desacreditado. Eliminado da Copa João Havelange de 2000 pelo São Caetano e tendo perdido para o Vasco a final da Copa Mercosul naquela incrível virada no Palestra, o time fracassou de maneira retumbante no Rio-SP e capengou também no Paulistão, escapando do rebaixamento apenas algumas rodadas antes do final. Descontente com o desempenho de Marco Aurélio, a diretoria alviverde o demitiu e trouxe Roth no começo de março. Ele foi ajeitando o time aos poucos e o Palmeiras cumpriu uma campanha invejável na fase de grupos da Libertadores: cinco vitórias e um empate, tendo como adversários Cerro Porteño/PAR, Universidad de Chile/CHI e Sport Boys/PER.
Nas oitavas, veio o São Caetano, forte à época – vice-campeão nacional em 2000, repetiria a dose em 2001. Primeiro jogo, no ABC, em uma quarta-feira fria: derrota por 1 a 0. Na volta, no Palestra completamente tomado, uma ‘noite felipônica’: vitória por 1 a 0, gol do talismã Muñoz já nos minutos finais, e vaga garantida nos pênaltis: 5 a 3, com 100% de aproveitamento do nosso lado e um chute para fora do time do ABC.
Foi aí que surgiu o Cruzeiro no nosso caminho. Não apenas Felipão estava do outro lado, mas também Oséas, herói dos títulos de 1998 e 1999, era o centroavante dos caras. Para completar, outros três jogadores com passagem pelo alviverde no ano anterior tinham seguido junto com o antigo treinador: Neném, Jackson e Marcelo Ramos. Suspenso, Scolari não pôde dirigir o clube mineiro no jogo da volta, em BH. Melhor para o Palmeiras.
2001, peço que lembrem, foi aquele ano do apagão e do racionamento de energia. Partidas noturnas foram proibidas pelo Governo, e o palmeirense se acostumou a ir ao estádio no bizarro horário das 14h45 (inclusive no meio de semana). Ciente da necessidade de contar com o Palestra cheio (e com a torcida habitual), a direção do Palmeiras alugou um gerador, de tal forma que o jogo pôde acontecer à noite (não no horário desejado, mas às 19h30, por exigência da emissora de TV, a extinta PSN).
Casa cheia, mais de 30 mil pagantes, confusão na entrada, jogo tenso. Lopes, o Tigrão, abriu o placar aos 17’ do primeiro tempo. Mas aí o juiz resolveu aprontar: expulsou Magrão aos 34’. Foi o bastante para que o Cruzeiro avançasse e chegasse à virada: Oséas (40’) e Geovanni (43’), este em evidente posição de impedimento, silenciaram o Palestra. Com um a menos, a reação parecia improvável. Mas Lopes, de novo, empatou aos 17’ do segundo tempo. O 2 a 2 parecia o resultado final, até que Jorge Wagner, aos 35’, colocou os mineiros mais uma vez em vantagem. O Palestra veio abaixo quando, já nos descontos, Lopes acertou um chute indefensável de fora da área e decretou o empate em 3 a 3.
Igualdade em casa por três gols não é bom resultado em lugar algum, mas, se serve de consolo, o regulamento daquele ano ainda não fazia referência ao critério do gol marcado fora de casa. Ou seja: novo empate no Mineirão levaria a disputa para os pênaltis. Apostando nisso, quase 20 ônibus com torcedores organizados deixaram a capital paulista na madrugada de 30 de maio de 2001 em direção à capital mineira. Foram 12 longas horas de viagem, muito sufoco, histórias para toda a vida. Coisas que só uma caravana de torcida organizada proporciona.
Chegamos ao Mineirão bem cedo, ainda com o dia claro, e a PM local logo tratou de nos colocar para dentro, na geral atrás de um dos gols. Todos com fome, um dia inteiro sem comer, e o que nos esperava lá dentro não podia ser melhor: o incomparável “tropeiro do Mineirão”. Hoje extinto (coisas do futebol moderno...), o prato vinha com arroz, feijão, calabresa, ovo, bacon e farinha de mandioca, tudo muito bem temperado. O marmitex que alimentava uma pessoa custava módicos R$ 3. Não podia haver nada melhor para aquele bando de pouco mais de mil torcedores.
Alimentados, restavam ainda umas quatro horas para o encontro decisivo. Alguns dormiam no cimento da geral, outros ficavam arrumando as faixas, uns percorriam as alamedas do Mineirão à espera de algum confronto, por menor que fosse. Os quase 70 mil torcedores da casa começaram a chegar por volta de 19h. Do nosso lado, um bom público: quase quatro mil pessoas, boa parte de atleticanos que chegavam de todos os lados para empurrar o Palmeiras.
Eis aqui nossos representantes em campo: Marcos; Arce, Leonardo, Alexandre e Felipe; Fernando, Galeano, Alex e Lopes; Juninho (Basílio) e Fábio Jr. (Tuta) (Muñoz). O Cruzeiro tinha mais time. E tinha mais técnico. Mas só o Palmeiras é Palestra.
Primeiro tempo, 5 minutos: bola cruzada para a área e Alessandro, aquele do Santos, abre o placar de cabeça. O Palmeiras não se abate, segue lutando e tem um pênalti marcado em jogada de Alex logo a seguir. O camisa 10 vai para a bola. Trave. O Cruzeiro segue em vantagem, e vamos assim para o intervalo. O empate veio aos 8’ do segundo tempo: a cobrança de falta de Arce cruza toda a grande área e vai morrer na rede do goleiro André. Pouco depois é a vez de o zagueiro Cris colocar o time da casa novamente em vantagem. Mas nós tínhamos Arce na lateral-direita. Falta aos 40’ da etapa final. O paraguaio levanta para a área, Alexandre sobe mais que a zaga do Cruzeiro e cabeceia na diagonal. André não alcança. Gol! A decisão vai para os pênaltis.
Vieram os pênaltis, de novo eles. E aí nós tínhamos São Marcos, que pegou três cobranças em uma série das mais emocionantes:
Das muitas imagens que eu guardo daquela noite histórica longe de casa, fico com a da nossa saída do Mineirão, quase uma hora depois do jogo. Os torcedores locais nos esperavam no estacionamento em frente, dispostos a brigar. Mas éramos tantos, e estávamos tão embriagados pelo doce sabor da vitória, que eles apenas ficaram olhando, à espreita, enquanto a multidão verde caminhava em direção aos ônibus com bandeiras tremulando e instrumentos acima da cabeça. Ali era Palmeiras. Um jogo para sempre...
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*Texto meu publicado originalmente lá no
Verdazzo.