A pergunta do
penúltimo post rendeu 25 comentários até o momento. É quase unânime a preferência pelo time 1, que nada mais é do que a escalação-base do primeiro semestre de 2000, que deu início à década que finda agora. Um leitor solitário ficou com o time 2, que é logo o que acaba de perder o título mais ganho que o Palmeiras conseguiu perder na história. Há quem vote no time de 2000 mesmo considerando o de 2009 tecnicamente superior. Justo.
Valia, como eu disse, qualquer critério, e é evidente que pesa agora a decepção com o fracasso alcançado pelo time 2. Ainda assim, nota-se claramente que as pessoas atribuem ao time 1 qualidades que não eram vistas pelo próprio palmeirense naquele 2000 que se iniciava sob enorme desconfiança.
É curioso falar assim de um clube que conquistara no ano anterior o seu maior título, a Libertadores. Mas acontece que estamos falando de Palmeiras e outros fatores pesaram para que a torcida olhasse para aquele grupo com enorme receio. A perda do Mundial contra o Manchester (30.11.1999) e o vice-campeonato da Mercosul (20.12.1999) eram os principais, mas não os únicos.
A base de 2000, que foi escolhida como superior à atual pela maioria dos leitores, tinha acabado de perder peças fundamentais. De uma só vez saíram Evair, Oséas, Paulo Nunes, Zinho, Júnior Baiano, Cléber, Rivarola e Zé Maria. Uma debandada sem precedentes, marcando o início da era do “bom e barato”. Sim, porque a Parmalat estava de saída e a diretoria (lembram-se do Lapola?) anunciou que não faria contratações de peso.
Edmundo, brigado com Eurico Miranda, queria sair do Vasco e ficou próximo do Palmeiras. O sapo-boi, no entanto, vetou a contratação (vivíamos sob um regime ditatorial, lembram disso?).
No começo da temporada, o principal reforço, acreditem!, foi o atacante Basílio, então com 27 anos e já careca, vindo do Coritiba. Com ele, chegou também o zagueiro Índio. No decorrer do primeiro semestre, chegaram o zagueiro Argel, o volante Fernando (sim, aquele), o lateral Nenem (voltando de empréstimo) e os atacantes Marcelo Ramos (trocado por Jackson) e Luís Claudio. Pouco, muito pouco, diante dos nomes que deixaram o clube.
Eis então que o Palmeiras se reapresentou sob protestos inflamados da Mancha, e chegou ao ponto de contar com apenas 15 jogadores profissionais para a estreia no Torneio Rio-São Paulo. Mas tínhamos Felipão, que, mesmo contestado pela maior organizada do clube (e este é o maior erro já cometido pela Mancha), era Felipão.
Com ligeiras alterações em relação ao apresentado no post anterior, o time, completamente desacreditado, abriu a temporada em São Januário, contra o Vasco de Romário e Viola: empate heróico em três gols na noite (19h) de 23 de janeiro, um domingo.
Isso em nada atenuou o clima pesado para o primeiro jogo da temporada em São Paulo. Noite chuvosa, 27 de janeiro. Pacaembu, 20h30. SCCP x Palmeiras. O clássico foi visto por apenas 5.680 torcedores, então o menor público da história. Lembro-me nitidamente da conversa que tive com outros três amigos em plena avenida Paulista, no Pompéia (478P/10), a caminho do Pacaembu: o clima era de desolação e esperávamos por uma temporada bastante difícil. No jogo, derrota por 2 a 1; o pessimismo parecia se justificar.
Três dias depois, já no Palestra, jogo contra o Fluminense. O time leva 0 a 2 no primeiro tempo (Roni e Magno Alves) e deixa o campo sob protestos virulentos da Mancha. No intervalo, Felipão apela para Basílio. A virada vem em seis minutos, com dois gols de Euller e um de Asprilla. No final, mais três gols (outros dois de Euller e um de Basílio) decretam o 6 a 2. Os protestos no meio do jogo, no entanto, fizeram estragos e Felipão chegou a declarar guerra à Mancha.
Vieram então outras três vitórias incontestáveis: 2 a 1 no Vasco no Palestra (Basílio e Asprilla x Romário), 3 a 1 no dérbi no Morumbi (3 de Alex, para míseros 6.327 pagantes) e 2 a 0 sobre o Fluminense no Maracanã (e fomos com o time reserva).
Contra o Botafogo, na semifinal, empate sem gols no Maracanã e vitória por 3 a 1 no Palestra (Sampaio, Euller e Alex). Na final, novamente o Vasco, com Edmundo, Romário e Viola. No Rio, 2 a 1 para o Palestra, com gols de Sampaio e Pena (sim, o Baixinho deixou o dele). Em SP, no Morumbi, na noite de 1º de março, a redenção, com uma das melhores atuações que eu já vi em um único tempo de jogo: 4 a 0, gols de Pena, Argel, Euller e Arce. Veio o título do Rio-SP quando menos se esperava algo do time.
A temporada de 2000 foi, salvo engano improvável, a mais movimentada da história alviverde. Foram 92 jogos (45 vitórias, 24 empates e 23 derrotas) e sete competições diferentes (Rio-SP, Paulista, Libertadores, Copa do Brasil, Copa dos Campeões, Copa João Havelange/Brasileirão e Copa Mercosul).
Os números, que revelam certa irregularidade, não são fiéis aos resultados: dos sete campeonatos, o Palmeiras chegou à final em quatro, parou na semifinal em mais um e ficou em fases já avançadas em outros dois. Bastante razoável, convenhamos, para quem não esperava nada no início da temporada.
O ano teve momentos marcantes (para o bem e para o mal):
Rio-SP: o título acima mencionado.
Libertadores: campanha irregular na fase de grupos, duelos sofridos contra o Peñarol (vitória nos pênaltis), vitórias consistentes contra o mexicano Atlas, a épica e inigualável eliminação do SCCP (desnecessário entrar em detalhes) e a perda do título apó dois empates contra o Boca.
Paulista: campanha tortuosa nas fases anteriores e eliminação para o Santos na semifinal (depois de estar vencendo por 2 a 0 até os 25' do segundo tempo, conseguimos tomar três gols, um deles de Dodô aos 45').
Copa dos Campeões: um time destroçado, em fase de transição depois da saída de Felipão e da perda da Libertadores, foi ao Nordeste sem grandes pretensões. Eliminou Cruzeiro (3 a 1 e 1 a 1), Flamengo (1 a 2 e 1 a 0, com vitória nos pênaltis e o odiado Taddei como herói) e Sport na final (2 a 1, Asprilla e Alberto).
Copa João Havelange/Brasileirão: a campanha pífia na primeira fase foi compensada pela reação dos últimos jogos e pelo fato de 12 times se classificarem. Nas oitavas, tivemos pela frente o SPFC, eliminado depois de empate em 1 a 1 no Pacaembu e vitória alviverde por 2 a 1 no campo da zona sul (com gol salvador, de novo, de Galeano). Veio então o desconhecido São Caetano. Dois jogos no Palestra: um 3 a 4 e um 2 a 2 eliminaram o Palmeiras, que, ainda assim, foi aplaudido pela torcida.
Copa Mercosul: campeão em 1998 e vice em 1999, o Palmeiras foi derrubando todos os adversários até a final contra o Vasco (de novo). Depois de perder em São Januário (2 a 0) e vencer no Palestra (1 a 0, gol de falta de Nenem), tivemos o terceiro jogo. Vocês se lembram do que aconteceu, certo?
Aí vocês podem estar agora se perguntando: porra, mas o que você quer dizer com isso tudo?
Ok, confesso que não sei ao certo, porque tudo aqui parte de impressionismos. Mas eu diria que esse post nasceu de uma reflexão que coloca o ano 2000 como síntese de tudo o que viríamos a enfrentar nas temporadas seguintes até 2009: a alternância quase doentia de vitórias épicas, obtidas na base da superação, e derrotas vexatórias, quase sempre em casa e para times inferiores.
O Palmeiras desta década, bem disse o meu amigo Galuppo, não perde para os grandes; o Palmeiras perde para os pequenos ou para ele mesmo.
Infelizmente, é inevitável valorar o que de ruim aconteceu em uma década perdida: tabus destroçados, estatísticas maculadas, fracassos inexplicáveis, um pouco da grandeza ficando pelo meio do caminho. Um festival de altos e baixos que parece combinar bem com a nossa tendência quase bipolar de buscar intensidade em tudo o que fazemos. Para o bem e para o mal.
Duas outras constatações:
1. O palmeirense é exigente demais. Porque lá atrás, ainda à sombra do título da Libertadores, tratou como lixo um time que hoje é reconhecido como muito bom.
2. O time que inaugurou a era do "Bom e barato" é considerado melhor do que o grupo dos milhões da Traffic. Não, eu não sou a favor da política do sapo-boi, tampouco vejo a Traffic como um câncer a ser extirpado. Só estou propondo o debate. Cada um que tire suas conclusões.
Por fim, devo admitir que sou tomado por um enorme saudosismo, típico de cada encerramento de ano (e de década, no caso). Porque me vejo, então bem mais jovem, de volta àquela noite chuvosa de 27 de janeiro de 2000. Sentado no último banco do Pompéia (o bom e velho 478P/10), ao lado de amigos que não tiveram a mesma persistência que eu, mal sabia eu que viriam 10 anos (e quase 500 jogos no estádio) assim tão intensos.
E então, como se tivesse o poder de voltar no tempo, gostaria de dizer apenas uma coisa para mim mesmo: "Te prepara, moleque. Esta noite é só o começo de muito sofrimento..."