07 fevereiro 2012

Turiassu, 1840 (5)



*por Bruno Mazucatto

"Fevereiro, 1990. O sétimo dia daquele mês, para a maioria esmagadora dos lá presentes, foi um dia comum na vida de torcedor: jogo do Palmeiras, em casa, noite de quarta-feira, 3ª rodada do Campeonato Paulista, início do 14º ano após o último título conquistado.

Para os outros 9.239 pagantes, uma noite corriqueira; para mim, o primeiro encontro com a minha história. Claro, não foi isso que eu pensei à época, mas hoje, não há qualquer exagero em afirmar isso.

Foi ali, naquele instante, que eu, com exatos cinco anos e meio, adentrei pela primeira vez o Estádio Palestra Italia. Acompanhado por meu pai, inaugurei o ritual que seria repetido por, aproximadamente, 500 vezes naquele local, até que a construção de uma Arena Multiuso (nome deveras estranho para um lugar em que se propõe jogar futebol) fosse iniciada: desci as escadas pela entrada da Rua Turiassu, passei pela revista policial, pelas catracas (fazendo questão de guardar o canhoto do ingresso; memória física que, miseravelmente, foi perdida alguns anos depois) e, por fim, subi alguns poucos degraus para o fosso, por onde, à esquerda, daríamos a volta, passaríamos pelas numeradas, pela torcida visitante (instalada ao lado das numeradas, as quais se distanciavam da arquibancada por um vão), vestiários, entrada da Av. Francisco Matarazzo, até iniciarmos a subida dos degraus da arquibancada até o alto, após galgar dois lances de escada que a ligavam ao fosso já mencionado.

Ficamos ali, próximos ao local em que, alguns anos mais tarde, ficaria interditado devido a um problema nos amortecedores, logo após a trágica final da Copa do Brasil de 1996. Mesma curva em que acompanhei outro jogo, desta vez de grata lembrança, um Palmeiras - Bragantino, 1-0, 2º turno do Campeonato Paulista de 1992, com direito a uma chuva torrencial e com o gol da vitória saindo aos 46 minutos do segundo tempo, ao lado de 23.737 pagantes.

Mas como não são sobre esses jogos, especificamente, que o texto se refere, sigo em frente, voltando ao dia 7 de fevereiro de 1990.

Se meu dia de estréia era especial, o jogo também haveria de ser, mesmo que involuntariamente. E aqui, cabe um adendo.

O escritor inglês Nick Hornby, em trecho do seu livro que exalta e retrata o torcedor em sua real acepção, comentou algo que, bastante recentemente, foi também mencionado por Rodrigo Barneschi, palmeirense dos melhores, em seu formidável blog Forza Palestra, e que pode ser resumido assim, do meu ponto de vista: nós, torcedores, temos a impressão de que não existe vida fora do Estádio em que estamos acompanhando nosso time. E mesmo que exista, toda e qualquer atenção está voltada para aquilo que acontece no gramado logo à nossa frente. Ou seja, o mundo está parado aguardando notícias daquilo que você está presenciando.

E digo isto porque naquele dia 7 de fevereiro de 1990 – minha primeira vez no Estádio acompanhando o Palmeiras – tive a impressão de que só eu estava lá e de que aquele jogo foi em minha homenagem. Senão, vejamos:

Palmeiras - XV de Piracicaba, 1-0. O único gol marcado no primeiro tempo. Meu primeiro jogo foi idêntico ao jogo que, até então, havia sido a última alegria dos Palmeirenses, em 1976. Meu pai, após o interminável recesso de títulos do time que ele se acostumou a ver vencer, mal sabia que fazia exacerbar em mim, naquele momento, um amor do tamanho que um Estádio pode ter para uma criança de 5 anos: imensurável. É certo, não foi por acaso.

Guardei e trago na retina o gol marcado aos 29 minutos, bem como registrei e levarei para sempre – na memória, no coração e no fundo da alma – cada canto do Estádio em que estive pelos 20 anos que se seguiram até que tudo aquilo que conheci por casa viesse a ser demolido, a fim de que um novo Estádio (desta vez, Arena) viesse a ser construído.

O canhoto do ingresso se foi, talvez com o intuito de que – a despeito das várias fotos tiradas por lá ao passar dos anos – eu tivesse guardada comigo somente a lembrança do local em que, antes de qualquer coisa, me conheci, já que foi lá que eu cresci, me resignei, chorei, vibrei, enfim, cumpri meu papel de torcedor, tornando-se desnecessária qualquer lembrança material ou física. Mais do que isso, aprendi assim que o amor, a honra e a alma daqueles que ergueram e defenderam o Estádio Palestra Italia viverão por lá pra toda a eternidade, independentemente do que vier a se tornar nosso novo Estádio.

Sim, porque somos nós, cada Palmeirense que vai a qualquer estádio acompanhar o Palmeiras, que carrega dentro de si o mesmo amor, a mesma honra, e a mesma alma guerreira de nossos ancestrais Palestrinos.

São muitas as lembranças e é certo que diversas outras me marcaram muito, mas nenhuma delas carrega tanta emoção como a daquele dia 7 de fevereiro, dia em que reconheci, ainda que de forma não tão clara assim – mas que hoje faz o maior sentido –, que a minha alma e a minha história vivem em cada camisa Verde que vai a campo representando a Sociedade Esportiva Palmeiras. E eu, de minha parte, cumpro meu papel de acompanhá-la, defendê-la e exaltá-la, pois, a bem da verdade, o Palmeiras sou eu.

E isso, é importante dizer, vale pra cada torcedor que honre o que esta palavra quer dizer. Aquele que não escolheu seu time, que não precisou de motivos para amá-lo, mas que simplesmente o reconheceu como seu. Mesmo ciente de todo sofrimento inerente a esse sentimento. Ainda que, na maior parte das vezes, seu time seja extremamente cruel com você. Não importa. Enquanto eu viver, e enquanto cada torcedor do Palmeiras viver, o Palmeiras viverá e Ostentará sua Fibra, Alviverde e Imponente, no mesmo Gramado em que a Luta o Aguardou e pra sempre o aguardará, no gramado do Estádio Palestra Italia!"

Bruno Mazucatto

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Começa aqui, com um belo texto do amigo Bruno Mazucatto, a parte colaborativa desta série "Turiassu, 1840". A ideia era ter feito isso também com "O país do futebol?", mas ali o trabalho de selecionar as muitas sugestões acabou não amenizando o trabalho habitual. Agora a coisa é diferente e o Mazucatto inaugura o lado colaborativo do blog.

14 comentários:

Luana disse...

Boa noite, Rodrigo!

Primeiramente, gostaria de parabenizá-lo novamente pelo blog, gosto muito dos seus textos!!

Com sua permissão, queria deixar um link para quem curte Direito Desportivo (www.desportolegal.com.br).

Já antecipo as desculpas pq uma vez vc já disse, aqui no blog mesmo, que Justiça Desportiva é um assunto que vc preferia que não existisse.

Entretanto, resolvi divulgar aqui porque muitas pessoas vão ver e alguém pode se interessar!

Obrigada.

Gabriel Manetta Marquezin disse...

"... Aquele que não escolheu seu time, que não precisou de motivos para amá-lo, mas que simplesmente o reconheceu como seu. Mesmo ciente de todo sofrimento inerente a esse sentimento. Ainda que, na maior parte das vezes, seu time seja extremamente cruel com você."


Esse ponto é o que eu sempre uso para tentar, mesmo que eu reconheça ser impossível, explicar para alguém o amor de um torcedor por seu clube. Muitos dizem que amar é gostar de alguém sem exigir nada em troca. Todos os casais, sejam casados ou apenas namorados dizem se amar. Mas vejam, eles não exigem nada em troca? Respeito, fidelidade, carinho, atenção, compreensão, satisfação, companheirismo, etc. Oras, então o tal ditado vai por água a baixo na relação. Já nós, o que exigimos de nosso clube? na realidade, nada! Por que mesmo exigindo vitória, garra, dedicação, vontade, e outras coisas, mesmo que não sejamos correspondidos por mais de 16 anos, jamais abandonaremos o clube, agora, alguém já viu um marido tolerar 16 anos de desrespeito da esposa? ou uma mulher esperar por 16 anos que o marido pare de traí-la, domingo após domingo? fazendo-a motivo de chacota em seu trabalho, ou seu salão de beleza? Fora que um casamento, é uma escolha, as pessoas passam anos da vida selecionando dentre tantas, qual aparenta ser a melhor escolha, já nós, alguém se lembra de ter "escolhido" o Palmeiras, de ter chamado um amigo pra um bar e ter pedido um conselho do tipo "cara, não sei se viro Palmeirense ou corintiano...". A melhor definição para o amor somos nós, torcedores. O termo torcedor deveria aparecer na descrição do verbete amor nos dicionários. Não escolhemos nosso clube, e não exigimos nada em troca de nosso incondicional apoio.


Abs Barnechi!

Ettore disse...

Putz, que texto sensacional! Parabéns ao autor.

Gabriel - Cabelo disse...

"... Aquele que não escolheu seu time, que não precisou de motivos para amá-lo, mas que simplesmente o reconheceu como seu. Mesmo ciente de todo sofrimento inerente a esse sentimento. Ainda que, na maior parte das vezes, seu time seja extremamente cruel com você. Não importa. Enquanto eu viver... o Palmeiras viverá..."

Sensacional...

Abração Rodrigo

FC disse...

Muito bom texto Bruno e Rodrigo. Como é bom ser palmeirense e ter ido ao Palestra Itália.

Meu único comentário é que em 1990 nõa havia escadas na entrada da Turiassu... passavamos em uma "rampa/declive" com as quadras de futebol a nossa direita e a grade do clube e a extinta loja do clube a esquerda. Coisa linda... lembro como se fosse hoje.

Nunca entendi pq a torica visitante ficava naquela curva depois da Descoberta... bem na saida do vestiário do... Pameiras.
Alguém sabe dizer?
Lembro de ter entrado algumas vezes quando criança com o time e dar de cara com os adversários.

A série está fenomenal...

Grande abraço,
FC

Caio Veloso disse...

Muito bom o texto!

E o Palmeiras e Bragantino de 1992 foi o meu Primeiro jogo no Palestra. Eu tinha 6 anos, meu pai me levou.

A sensação foi muito parecida com a que voce descreveu.

Sempre lembro daquele jogo de 1992.

Ótimas lembranças, ótimo texto.

Abraco.

Caio Veloso

Bruno Mazucatto disse...

Fico grato pelos comentários elogiosos, muito bom.

De fato, esta série - conforme já comentei com o Rodrigo - é brilhante.

O FC disse bem, as escadas vieram depois. E a lojinha ao lado esquerdo só não foi citada no texto por um puro lapso de minha parte. Cheguei a inserir no rascunho do texto, mas depois acabei esquecendo de incluir.

A única explicação - no meu ponto de vista - sobre a localização da torcida visitante naquele espaço, seria a de que só existiam duas entradas até então, pela Turiassu ou pela Matarazzo.
Dessa forma, sendo a Turiassu a entrada principal, a torcida adversária deveria entrar pela Matarazzo, ficando naquele local para que ela não tivesse que "andar" muito pelo estádio até outro local (como ao lado das piscinas).

Realmente não era nada bom aquele local. Em jogos contra o Flamerda, por exemplo, a PM estendia a corda até o placar, dando um espaço inaceitável para a torcida adversária, como na Copa do Brasil de 99 (4-2, gols do Euller).

Lembro, porém, de uma vez em que foi alterada a nossa entrada e passagem pelo fosso, a fim de que fosse evitado um iminente confronto. No jogo da volta da Copa do Brasil de 98, contra os bambis, entramos só pela Turiassu e, em vez de virar à esquerda conforme o ritual, seguimos reto, passando entre as piscinas e o vestiário feminino, para já sairmos do outro lado da aqruibancada, uma vez que os bambis também ficaram atrás do gol.

É isso aí, o Palestra viverá pra sempre!

Abraços!

Marcelo Juchen disse...

O Bruno começou bem. O time do Palmeiras de 1990 era horripilante. Lembro bem que o nosso ponta direita era o famoso "BIZU". Na adversidade é que se começa a amar. Meu primeiro jogo foi na década de 70, mas logo a seguir vieram desilusões em que estive presente (perder a final de 78 para o guarani, a semifinal do paulista de 78 para os bambis, a semifinal do brasileiro de 79 para o inter, a semifinal de do paulista de 79 para os gambás) e aí a coisa fiocu feia por toda a década de 80.
Tenho vários ingressos da primeira metade de 1990. Não sei bem se estive nesse jogo. Mas vou procurar na gaveta do meu quarto de solteiro em casa de mamãe e papai!

Rodrigo disse...

Alguém aí se lembra de algum jogo em 90 ou 91 contra um XV de qualquer coisa que o Palmeiras venceu também por 1 a 0, com um gol de falta do Betinho no segundo tempo, debaixo de chuva? Foi o meu primeiro jogo no estádio, e vivo procurando a ficha dele pela internet, mas nunca encontro.

E nesse jogo do Bragantino, o gol foi do Cuca.

Bruno Mazucatto disse...

Rodrigo,

dá uma olhada nesse link: http://www.futebol80.com.br/links/times/palmeiras/palmeirasjg.htm

Creio não ter sido contra algum XV, porque não tem jogo só com gol do Betinho, seja contra XV de Jaú ou de Piracicaba, mas dê uma olhada lá pra ver se acha.

Abraços.

Bruno D'Angelo disse...

Muito bom mesmo!
Como bem lembrou o Rodrigo, o gol foi do Cuca numa cabeçada após cobrança de escanteio de um jogador chamado Juari. O cara tinha acabado de entrar em campo e foi lá bater o escanteio.
Abraços.

Rodrigo disse...

Valeu Bruno! Não tenho certeza, mas deve ter sido Palmeiras e XV de Jaú em 28/set/1991. Se não foi gol de falta do Betinho, então deve ter sido do Erasmo desviando a falta. Estava chovendo muito, e além de estar do outro lado do campo, eu tinha 1 metro de altura, então não consegui ver o gol direito.

cesar disse...

Mais um belo texto!

Parabéns ao Bruno Mazucatto!

Anônimo disse...

Palmeiras minha vida é você...

O Mazucato mando benzaço, texto vibrante como o coração de um torcedor, não apenas um torcedor, mas um amante da Sociedade Esportiva Palmeiras, logo ali, na Turiassu 1840.

Foda o verdão joga fra de fds, e esses horários n meio de semana dos cuzero da globo mata o trabalhador...

Só mais um breve comentário, o Judas30 ta batendo em muiééé..pq não bateu de frente com os mano que colo na goma dele aqui em Sampa com as faixa...

Ele que pise em Sampa achando que tá bom...

Avanti Palestra!
Nois Barneschi!

@BrunnoAnimal7