23 maio 2010

Imortalidade


O olhar que percorria cada canto da arquibancada por vezes parecia se perder, absorto, sem saber para onde ir ou quando voltar. Parecia. Se era mesmo assim, certo é que não estava preso a lugar algum, mas sim a um dia outro que não o que vivemos ontem. O que se percebia no semblante dos palestrinos que cruzamos os portões do Palestra Itália neste sábado, 22 de maio de 2010, era a resignação de quem não pode fazer nada mais, a não ser dizer adeus.

Em meio a abraços apertados, olhos cheios de lágrimas e palavras um tanto desoladas e apocalípticas, tudo era saudosismo. Como se precisássemos nos apegar ao que construímos juntos para não sucumbir antes da hora. Como se tentássemos adiar o adeus, por vezes esperando mesmo que não fosse a última vez.

Tantas são as lembranças e os significados que a nossa reação não poderia mesmo ser outra. Porque, cada um do seu jeito, todos pensávamos no que seria perdido ao apagar dos refletores: a ansiedade dos dias, das horas e dos minutos que nos separavam de cada jogo, a caminhada até o Palestra, o encontro com os amigos, a concentração lá fora, as Brahmas sendo derrubadas, os sanduíches de pernil, as conversas, a expectativa crescendo, a rua que se enche aos poucos, a multidão que se forma, a fila na bilheteria, a hora que se aproxima, os cumprimentos de boa sorte antes de seguir para o estádio, mais fila, a euforia, a passagem pela catraca, a entrada triunfal, a caminhada que nos permitia vislumbrar o Jardim Suspenso pouco acima, os banheiros alagados, o barulho, a cantoria, o acesso escolhido para subir os dois lances de escada e logo ganhar o cimento da arquibancada, o olhar que se perdia no encontro com a massa, com o campo de jogo, com a nossa história se materializando.

Isso tudo, é inevitável, há de se perder. Seja lá o que vier das mentes doentias e deslumbradas de nossos dirigentes e parceiros (?), muito de nossa história ficará para trás. Virá um outro Palestra Itália, mais moderno, mais europeu, mais limpo, mas também sem a alma do estádio que aprendemos a amar.

O que esperar desses novos dias? Entre os muitos cenários, o que mais perturbava era a certeza de que farão o possível para deixar de fora da reabertura mais da metade do público presente à despedida. Em uma palavra: elitização.

Mas foi então, em meio a tantos desencontros recentes, que o futebol resolveu nos presentear com uma despedida à altura. Pelo sim, pelo não, a chuva apareceu; afinal, ela passou as últimas décadas tendo uma predileção especial por lavar a alma de todos nós em jogos no Palestra. Dessa vez, no entanto, ela não veio só: vieram também os gols e, com eles, uma vitória convincente, porque foi a isso que nos acostumamos ao longo da história. Ao menos por uma noite, a da despedida, o palmeirense teve motivos para vibrar.

Foi bem aí, no êxtase após o terceiro gol, ao percorrer com o olhar toda a multidão que tomava a arquibancada do imortal Palestra Itália, que eu percebi que não existe nenhum planejamento elitista que possa retirar do nosso estádio o verdadeiro torcedor palmeirense. Porque a alma palestrina há de ser mais forte e porque a resistência está no nosso sangue.

Podem até fabricar cadeirinhas numeradas e impor um padrão de conforto que se preze a pensamentos elitistas, mas jamais serão capazes de criar um novo público para o futebol. Porque o futebol não é de nenhum imbecil disposto a pagar R$ 300 por um lugar confortável, mas sim do torcedor que vibrou ontem com a improvável vitória de um time que não merecia tanta gente no estádio. O futebol é do povo, e sempre será.

Por mais que queiram encher o nosso espaço com o plástico das cadeirinhas numeradas, o cimento da arquibancada haverá de prevalecer. O Palestra Itália é imortal.

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Entre árvores e chaminés

A espetacular imagem que abre este post é um presente do Cleber Cilli, leitor deste blog. Não tenho o prazer de conhecê-lo, mas tive a honra de receber a foto no final da semana passada, por email. Veio em boa hora. A foto, conta o Cleber, é da final do Campeonato Paulista de 2008, a última grande festa que tivemos na nossa casa. Fica aí para a posteridade.

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*O Palmeiras nunca foi tão mal dirigido. Porque os dirigentes que aí estão fizeram tanta besteira que conseguiram transformar a despedida do imortal Palestra Itália em um enorme ponto de interrogação. "Será o último jogo?" E aí o que deveria ser encarado como a notícia do mês virou nada mais do que suposição. O adeus à nossa casa virou quase nota de rodapé nos jornais. A história foi desrespeitada como nunca antes.

*Não resisto a um comentário menor: nos últimos oito jogos no Palestra sob o comando do treinador anterior, comemoramos míseros sete gols. Ontem, em um único jogo e com menos opções no elenco, foram quatro.

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"Febre de bola", páginas 181 e 182:

"Fico constrangido ao confessar que um baixo-astral com uma década de duração se desfez porque o Arsenal ganhou do Tottenham na taça Littlewoods (ficaria um pouco menos constrangido se fosse uma vitória na taça da Liga, mas a Littlewoods!), e já tentei diversas vezes descobrir por que as coisas aconteceram assim. A vitória significava muito para todos os torcedores do Arsenal, é claro: nosso time não chegava perto de ganhar nem uma semifinal havia sete anos, e nossa decadência já começara a parecer terminal. E talvez houvesse até uma explicação médica. Pode ser que a monstruosa injeção de adrenalna liberada por uma vitória no último minuto em Tottenham, numa semifinal que você estava perdendo por um gol faltando sete minutos, com todas as esperanças perdidas... talvez essa injeção corrija algum tipo de desequilíbrio químico no cérebro, alguma coisa assim."

20 comentários:

Pai da Princesa disse...

Grande amigo do Forza...

Não sei o seu nome, mas sou frequentador assíduo de teu blog.

Fui apenas uma vez ao Palestra Itália, na estréia do campeonato paulista de 2006 contra o Ituano.

Vencemos (sim, me considero integrante da peleja) o jogo por 2 x 1.

Minha esposa até então tinha simpatizava um pouco com os bambis, fruto da "beleza" do tal de Raí.

Ela estava junto comigo no estádio e se encantou com a torcida. Estávamos entre a TUP e a Mancha. Ajudamos a TUP a esticar a bandeira e festejamos demais a partida. Foi uma emoção ímpar e mal sabíamos que ela estava grávida de 7 dias de nosso filho que hoje encontra-se com pouco mais de 3 anos.

A partir de então ela se considera torcedora palestrina.

Infelizmente sou torcedor de sofá, mas a emoção de estar presente nesta única partida, fez meu coração bater muito mais forte.

Que a alma do velho e guerreiro Palestra Itália nunca se perca. O estádio e os torcedores mereciam ao menos ter a certeza que esta seria a última partida. Pelo menos o futebol que andava distante voltou em grande estilo e dedicou ao estádio uma bela vitória.

Grande abraço!

André Seoane disse...

BARNESCHI Belissimo Relato !

Por acaso vc tem a foto do post em alta resolução ?

[]'s

Rodrigo Barneschi disse...

André
Infelizmente não. O Cleber me passou a imagem do jeito que eu coloquei aí.

Binóculo Verde
Obrigado pelo comentário e pelo relato.

Abraços

André Seoane disse...

Uma pena !

Vai Quarta-feira pro Morumbiba, Buscar mais uma Vitória e ver outro Gol Homérico em cima das Bibas?

Rodrigo Barneschi disse...

Sempre. Já são oito anos sem uma vitória naquele antro. Isso precisa cair.

Lu disse...

Gostaria de frequentar estádios como vc e seus amigos... tentar ir ao morumbi nesta semana ver nosso Palmeiras, é gastar energia =/

Lu disse...

Gostaria de frequentar estádios como vc e seus amigos... tentar ir ao morumbi nesta semana ver nosso Palmeiras, é gastar energia =/

Lu disse...

Gostaria de frequentar estádios como vc e seus amigos... tentar ir ao morumbi nesta semana ver nosso Palmeiras, é gastar energia =/

Lu disse...

Gostaria de frequentar estádios como vc e seus amigos... tentar ir ao morumbi nesta semana ver nosso Palmeiras, é gastar energia =/

Lu disse...

Gostaria de frequentar estádios como vc e seus amigos... tentar ir ao morumbi nesta semana ver nosso Palmeiras, é gastar energia =/

@anitchas disse...

Mais profundo, impossível.

Jonas disse...

mais um grande texto barneschi.... isso tudo q vc escreveu deixou mais facil resistir a dor de abandonar o palestra......

obrigado
jonas

Paty disse...

Estamos vivendo dias difíceis.O descaso com que somos tratados pelos dirigentes, o time que não honra nossas tradições e agora a perda da nossa casa sem uma despedida digna.Não pude ir ao jogo que dizem ser da despedida, mas me despeço todas as vezes em que levo meu filho ao clube para jogar tenis e fico vagando pelo estádio.Lembrando de cada momento que ali vivi.Qdo passo por tras do estádio e vejo o muro que o separa das casas da padre Antonio Thomás,enorme , com tijolos aparentes e tão antigos me dá um frio na barriga em imaginar qto sacríficio para erguer tudo aquilo e agora, sabe-se lá o que virá.
Não sei se acredito nessa arena, mas gostaria imensamente que começassem destruindo o setor visa, pois no caso de ser mais um golpe eleitoreiro, como foi com o ginásio2, quem sabe nossa arquibancada voltasse a ser o que era sem aquele setor terrorista.
Obrigada pelos seus textos , que nos dão força pra continuar.

Gabriel disse...

Sábado foi foda, triste e bonito.
Tudo foi necessário, o empate, a chuva, os protestos, tudo.

Mais um texto emocionante, aguardamos o livro!

Abs

Roberto Kamarad disse...

Minha alma saiu do corpo, mano!

Não sei pq, mas quase arranquei uma cadeirinha do setor visa no terceiro. Acho que foi pelo fato de estar a tanto tempo sem ver a minha casa daquele ângulo!

Sorte que um cara veio e me deu um toque, pq a polícia tava me xingando do outro lado do vidro já!

Foi difícil segurar o choro, ainda mais pra mim... mas no final tudo deu e dará certo!

"Não existe nenhum planejamento elitista que possa retirar do nosso estádio o verdadeiro torcedor palmeirense. Porque a alma palestrina há de ser mais forte e porque a resistência está no nosso sangue".

abs, mano!
@Kamaradsss

Clebercilli disse...

Fala Barneschi,

Texto mais uma vez sensacional! fui no jogo sábado, mas não deu pra te ligar (não vão faltar oportunidades, no pacaembu agora...).. q jogo! e a garoa, bem como vc disse, veio pra lavar a alma!

Com relação a foto, se quiserem, eu tenho em alta resolução sim. me passem os email q eu posso enviar, na boa.

abção!

Cleber

Anônimo disse...

Caro Barneschi,
Mais um lindo texto. Estou sem voz até hoje. Vibrei tanto, cantei tanto, aplaudi tanto e me emocionei muito com a fina garoa que o céu nos mandou! Aquela garoa mais pareceu um sinal divino! Aquela garoa foi um presente dos deuses ao palmeirenses apaixonados. Foi para lembrar a nossa São Paulo da garoa, foi para lembrar e abençoar as glórias conquistadas pelo Palmeiras naquele palco. Valeu como uma água benta. Mais de 1.000 vitórias conquistadas no Jardim Suspenso! Grande Palestra!Aquele garoa foi uma chuva de prata, homenagem aos nossos verdadeiros guerreiros, aos jogadores que honraram a camisa alvi-verde e souberam engrandecê-la. Aquele cenário está definitivamente, indelevelmente, gravado nas minhas retinas e eternizado no meu coração. Na comemoração de cada um dos gols, abracei forte os queridos palmeirenses que estavam comigo, mas imediatamente olhei para o lado do placar eletrônico lembrando que você devia estar por lá, tão feliz e emocionado quanto eu, e, em meu sentimento, também o abracei. Nosso time foi valente, livrou-se da covardia do Zago. Foi uma alegria triste, é verdade, pois tratava-se da despedida inexorável da nossa casa. Mas, quem tem uma história tão linda e gloriosa quanto a nossa?
O Palmeiras nos irmanou caro Barneschi, e isso é uma honra para mim!Estivemos lá no passado, estaremos lá no futuro, pois aquele espaço legitimamente nos pertence! A torcida que canta e vibra por nosso alvi-verde inteiro sempre estará lá...
Forte abraço.

Luigi SEP 1914 disse...

Ae Cleber, eu gostaria de ter essa foto. O Rodrigo tem o meu e-mail, se puder mandar pra ele, agradeço...
Grande abraço!

Vai PALMEIRAS!

matheus furtado disse...

Binzao, passa a foto em alta resoluçõa pro Barneschi, para que se possivel ela seja postada no blog!
Afinal, não se sabe quando poderemos tirar outra foto tao bela de nossa casa...
E belissimo relato! A alma palestrina sempre vive! Palestra Per Semper!

Cesar disse...

Mais uma vez, Parabéns pelo ótimo Texto....

Concordo com o final do texto, o Futebol será sempre do Povo, Nós os verdadeiros Torcedores não vamos deixar a elitização tomar conta dos Estádios Brasileiros, quem enche Estádio eh o Povo, e não vai demorar mto pra esses imbecis defensores do elitismo perceber que eles dependem da gente, eh a gente que tem a Paixão, e eh a Paixão que move o Futebol....