13 maio 2010

A despedida (agora sim)

O dia 22 de maio de 2010 se aproxima. Ao que tudo indica, dessa vez não tem volta. Vão mesmo nos tomar aquilo que sobrou de tempos gloriosos: a última fortaleza, o refúgio sagrado, o estádio que ajudamos a construir. Vão nos tirar isso tudo e mais um pouco. É inevitável ceder diante do que está por vir, e já não adianta tentar não pensar em todas as ameaças de um futuro higienista, excludente e europeizado. Vai cair a nossa casa. Vai ficar a saudade.

Republique-se:

A DESPEDIDA


Crédito da imagem: Palestrinos
Temos um encontro marcado neste domingo, como acontece quase que semanalmente há mais de década. Será mais um entre os quase 400 que já tivemos. E não deveria ser tão importante, admito, a não ser pelo fato de que pode ser o último. Não o último de todos, o que soa alarmista, mas o encontro que pode encerrar uma era.

Por mais que o futuro próximo não esteja assim tão nítido, sabemos, você e eu, que as tais mudanças estruturais devem mesmo começar muito em breve, de tal modo que o encontro de domingo é provavelmente o último com cara de decisão. É isso que enseja o clima de despedida que transmito agora. Não gostaria que fosse assim, mas é inevitável, como muita coisa na vida.

Dizem por aí que é para o seu bem, e que não se pode contrariar os ares europeus de modernidade que sopram também pelos nossos lados. Dizem. Eu não sei. Só sei que gosto de você assim, do jeito que te conheci. Foi assim que aprendi a te amar.

Gosto de você assim pela tradição, pela beleza arquitetônica, pelos detalhes que remontam ao século passado. Porque suas alamedas exalam história e porque só você consegue ser grandioso e acolhedor ao mesmo tempo. Porque só no Jardim Suspenso, com a vista que você oferece sem fazer cerimônia, respira-se o ar vitorioso de tantas conquistas. E porque só aí, entre a vegetação de um lado e os arranha-céus do outro, é possível se sentir em vários lugares ao mesmo tempo.

Foi assim, com suas arquibancadas apinhadas de gente, que vivi alguns dos momentos mais felizes da minha vida. Debaixo de sol ou chuva e sob frio ou calor. E não é fácil deixar isso tudo para trás.

Não é fácil saber que logo não poderei ter a visão das velhas chaminés ao fundo, lá na Matarazzo, em contraste com as modernas torres comerciais que surgiram depois. É bem difícil, tanto quanto será não mais poder me sentar lá atrás do gol e observar o que se passa nos caminhos que levam ao centro da metrópole, com seus edifícios que se sobrepõem uns aos outros e as luzes de carros e faróis a ocupar as largas avenidas que te circundam.

Tampouco será fácil perder o direito aos dias de folga na piscina do clube, olhando para suas arquibancadas vazias, como que em repouso, à espera do próximo encontro com a massa que te completa.

É tanto mais difícil porque, você sabe, eu tenho um pé no passado. É um defeito, eu bem sei, mas não consigo me livrar deste saudosismo enorme e do romantismo que me levam a te escrever agora.

E, confesso, não consigo entender porque as pessoas gostam tanto dessa tal modernidade. Eu aprendi a te amar quando você ainda tinha iluminação de boate, com estrutura precária e sem as reformas mais recentes, que te modificaram timidamente perto do que está por vir.

Aprendi a te amar ainda sem grades ou separações físicas na arquibancada e sem o setor elitista, o que me permitia migrar de um lado para o outro sem restrições, ainda que com o intuito pouco nobre de maldizer rivais ou inimigos que tantas vezes já vieram te visitar. Acima de tudo, o bom era exercer o saudável hábito de andar de um lado para o outro para encontrar os amigos.

É, tem isso ainda, os amigos. Tantos deles eu conheci por sua causa, e sei que estes serão, como você, parte da minha vida para sempre.

Difícil saber o que vai restar de você depois de tudo o que vemos nesses projetos tidos e havidos como inovadores e pioneiros.

Não sei mais se poderei passar pelo mesmo portão ou subir para a arquibancada pela mesma escada que uso hoje. Não sei se meu(s) lugar(es) continuará(ão) lá, tampouco se a visão do campo será igual à de agora. E as pessoas, mesmo essas, poderão ser outras, porque há um preço a se pagar por essa tal modernidade.

Certo é que nada mais será como antes.

Por isso, ao menos neste domingo, vou fazer tudo do mesmo jeito, como um ritual que exerço já sem a devida consciência. Entrarei pelo mesmo portão, passarei pela mesma catraca, usarei o mesmo banheiro, subirei pela mesma escada, encontrarei os amigos de sempre e ficarei no mesmo lugar (dentro do que hoje me é permitido).

E prometo olhar com um pouco mais de atenção e carinho para cada detalhe seu, pois quero guardar bem na minha mente a imagem de um Palestra Itália que meus filhos infelizmente não poderão conhecer.


Crédito da imagem: Palestrinos

***

O texto acima foi originalmente publicado na semana anterior ao famigerado Palmeiras 0 x 1 reservas do Botafogo, último jogo do Palmeiras em 2008 e possível despedida do estádio para reformas que não aconteceram em 2009. Mas, dizem, elas vão acontecer agora, e aí o texto faz sentido novamente. Uma pena...

***

"Febre de bola", páginas 199 e 200:

"Mas há mais coisas além disso. Durante partidas como a semifinal contra o Everton, embora noites feito essa sejam inevitavelmente raras, há a sensação poderosa de estarmos exatamente no lugar certo, na hora certa; quando estou em Highbury numa noite importante ou, é claro, em Wembley numa tarde ainda mais importante, sinto-me como se estivesse no centro do mundo inteiro. Em que outras ocasiões isso acontece na vida? Talvez quando você tem um ingresso bom para a estreia de um musical de Andrew Lloyd Weber, mas você sabe que o musical vai ficar em cartaz por anos a fio, de modo que mais tarde você teria de dizer às pessoas que o viu antes delas, coisa que é meio sem sentido e em todo caso anula completamente o efeito. Ou então talvez você tenha visto os Stones em Wembley, mas hoje em dia até esse tipo de coisa é repeito noite após noite, e por isso não tem o mesmo impacto de ocasião única que tem uma partida de futebol. Não é notícia como uma semifinal do Arsenal vs. Everton é notícia: quando abrir o jornal no dia seguinte, seja qual for o jornal que você leia, haverá um espaço extenso dedicado à cobertura da sua noite, noite para a qual você contribuiu apenas aparecendo lá e berrando.
Simplesmente não se acha isso fora de um estádio de futebol; e não existe nenhum outro lugar no país inteiro que possa fazer você se sentir como se estivesse no coração das coisas. Porque seja qual for a boate, peça ou filme a que você for, seja qual for o concerto que você ouça ou o restaurante que você coma, a vida está acontecendo em outros lugares na sua ausência, como sempre acontece; mas quando estou em Highbury vendo jogos como esse, sinto que o resto do mundo parou e está reunido do lado de fora dos portões, esperando para ouvir o placar final."

18 comentários:

Myself disse...

Puta merda, um dos textos mais lindos que já li, sinceramente! Me emocionei, de verdade! Parabens!

Néspoli disse...

Rodrigo tomei a liberdade de copiar meu comentário do outro post, mas aviso que uma coisa mudou, talvez não vá no VISA e sim no cimento, com meus amigos pois será duro o dia 22 de Maio, mais duro ainda por estar tão próximo do meu aniversário que é dia 24 e esse jogo será um dos piores presentes que eu poderia ganhar.

"Caro Rodrigo é triste perceber o que nos espera,não tenho nada mais a acrescentar ao que vc já disse.

Agora quanto a despedida do Palestra, que tb concordo não deveria acontecer, não acho que foi ontem, pelo menos não pra mim. Farei a despedida da nossa casa dia 22 e muito triste. Estarei cagando e andando para as tais ações de marketing.
Farei do meu jeito, comprarei um ingresso do maldito setor VISA pois foi de lá, daquele espaço, que nos tomaram, que aprendi assistir os jogos do Palmeiras. Escrevo isso com lágrimas nos olhos, pois esse jogo queria assistir ao lado dos meus amigos que sempre estiveram ao meu lado na arquibancada, mas estarei lá em pé e encostado no muro que nos roubaram, descerei ao túnel e ficarei procurando por meus amigos que sempre encontrava na hora do intervalo (dificilmente nesse dia os encontrarei) e depois ficarei sentado no chão até chegar a hora de assistir o segundo tempo. E só sairei quando os PM´s me mandarem pra fora como era na época que assistia os jogos do meio campo...
Talvez sozinho seja até melhor assistir esse jogo que considero o enterro de mais uma parte da nossa história.

Espero só que nossos dirigentes tenham um pouco de sensibilidade nessa hora e não façam como fizeram ao destruir os azulejos que ficavam na porta da entrada do clube com as inscrições "Estádio Palestra Italia".

É isso, não consigo mais escrever nada sobre esse assunto, já que dessa vez diferente daquele jogo contra o Botaqfogo/RJ parece ser definitivo mesmo.

Abs

Néspoli"

Gersinho Rodrigues disse...

Cazzoooooooo, to arrepiado, chorando, parecendo uma criança

Que texto emocionante cara, vc falou tudo o que eu sempre pensei. Acho que falou como todo palmeirense.

Júnior disse...

É triste mesmo... mas não tem jeito.

Agora f... mesmo é ler isso que saiu na coluna De Prima do Lance:

"J. Hawilla prevê um novo perfil dos torcedores nos estádios nos próximos anos no Brasil. "A turma que vai à geral agora, ficará assistindo só na tevê. É gente que não consome nada, depreda e mata no metrô. Não interessa mais ao futebol. Dá orgulho ver o público pagar R$ 300 pelo ingresso. Não defendo a elitização. Mas o futebol precisa de dinheiro."

É esse tipo de gente que manda, desmanda e comanda o nosso Palestra.

É o começo do fim do Palmeiras!!!

Victor disse...

Sem dúvidas foi um dos textos mais emoccionantes que já li na vida, meu parabéns por escrever algo tão maravilhoso sobre nossa casa!!!

Porém (sempre existe um "porém"), acho que a partir de 2012 quando a nova casa estiver de pé poderemos olhar e pensar que no novo momento mais Palmeirenses poderão estar juntos e se emocionar juntos com nossa casa, sendo ela a antiga ou a nova, mas sempre será nossa.

Entendo esse sentimento de nostalgia e lembranças boas do atual Palestra, tbm sentirei MUITA falta da nossa casa do jeito que é, porém não posso deixar de dizer que muito me empolga a ideia de termos o único estádio da América Latina dentro dos padrões exigidos pela FIFA. Além de me deixar empolgado, antes de tudo me deixa muito orgulhoso pelo fato desse estádio único ser NOSSO.

É verdade que irá demorar 30 anos até que volte a ser 100% nosso novamente, mas NUNCA será 100% de outrem.

Deixo aqui meus elogios para esse blog maravilhoso!!! E, apesar de saber que vc não concorde com o que penso, saiba que aqui vc tem um leitor assíduo que muito se orgulha de ter um torcedor que da voz aos milhões de outros através da internet.

Continue assim, e mais uma vez: PARABÉNS!

»©Samuray®« disse...

Muito lindo t juro que fiquei com os olhos cheio de lagrimas... fala serio!!!...parabensss..

Cá R disse...

Brilhante!
Poucos textos englobando qualquer assunto que fosse, foram capazes (e serão) de expressar tanto sentimento.

Meus sinceros parabéns!

Anônimo disse...

Cara, que lindo! Chorei! DALE PORCO!!!

Acho que a torcida deveria criar um grito em homenagem à nostra casa.

Abs.

WILL

Fancio disse...

Parabens! Emocionante. Muito bonito e sincero.

Abracos


PS. Ei J. Hawilla VTNC!

Rodrigo Barneschi disse...

Obrigado a todos. O texto, acredito, reflete muito do pensamento dos verdadeiros palestrinos. Deixo aí como homenagem a todos nós e à nossa casa.

Rodrigo Barneschi disse...

E o senhor J. Hawilla terá o que merece. Aguardem.

Junior disse...

Caro Palestrino, faz meses que tento preparar-me para tal dia, mas certamente não conseguirei a tempo.

Será meu 404º jogo do time principal por lá, um lugar que aprendi a gostar mais do que minha própria casa. Não tenho dúvidas de que nossas vidas não serão mais as mesmas sem aquele velho e sujo estádio de cimento.

Infelizmente, isto será apenas o começo.

Unknown disse...

Não podemos esperar mais nada de bom pois somos tratados como uma coisa qualquer diretoria,jogadores,conselheiros em fim aqueles que eram para nos respeitar nos tratam como lixo.Tantas alegrias tivemos no Palestra mas querem acabar em nome da "Modernidade" ou seja $$$$$.Estarei lá dia 22 como se estive-se em um enterro onde nos despedimos para nunca mais poder ver,tocar e sentir a presença.
Belo texto retrata oque nós pensamos e sentimos

PALESTRA ITÁLIA EU TE AMO!!!

Anônimo disse...
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Paty disse...

Parabéns pelo texto!!!Expressa o que todos nós apaixonados estamos sentindo.
Pobre de nós palmeirenses que nos últimos tempos estamos nos acostumando a perder.Perdemos campeonatos ganhos, fáceis, perdemos jogadores, técnicos e agora a grande perda do nosso estádio.
Espero que tudo de certo e comecem e terminem essa arena.Eu tenho dúvidas.Mas as lembranças que temos do "velho" palestra isso ninguém pode tirar de nós.Nem a modernidade, nem os incompetentes, nem os sem alma, nem os corruptos.
Que saudades do nosso Palestra!!!

Anônimo disse...

Na época que disseram que iam construir a Arena, todo mundo ficou alvoroçado, dizendo que teríamos um estádio a altura do Palmeiras e tudo mais.
Agora que está para começar as obras, vejo um monte de gente reclamando, dizendo que tinha que deixar o estádio como está, etc.
Afinal, o que vcs querem?

Rodrigo Barneschi disse...

"Todo mundo ficou alvoroçado"?

Cara, eu falo só por mim. Meus textos não deixam dúvida sobre o que eu penso.

Unknown disse...

Tenho 15 anos e a primeira vez que estive no Palestra foi aos 9. O melhor estádio que já fui. Agora, nos resta a nova Arena, que apesar de tudo, nunca será como o antigo Palestra.