São Paulo, Itaquera, extremo leste.
Dizem Diziam que por ali se ergueu um estádio que somente traria alegrias para a tal torcida que se autoproclama o que é e o que não é. Lá, no alto de um descampado bem ao leste de onde surgiu a metrópole, a casa nova foi, por pouco menos de um ano, o que dela se
pensava pretendia: jogou-se ali uma Copa do Mundo; construiu-se uma invencibilidade notável; teceram-se loas ao mármore dos banheiros, às latrinas que vieram do Japão, à modernidade onipresente; lamentou-se por assentos plásticos que não deveriam existir; criou-se uma conexão entre time, torcida e estádio; gastou-se e ganhou-se dinheiro com tudo, inclusive com faixas e adereços evocando uma pretensa infalibilidade da nova casa.
Mas...
Mas a história pesa. E as camisas pesam, umas mais do que as outras.
(...)
2015, abril, 19. Fim de tarde. Da esquina sudeste do novo estádio, o olhar se desvia do campo apenas para avistar a persistente neblina que paira por entre as luzes que vêm da marquise. Em campo, os dois rivais eternos protagonizam um duelo à altura das tradições do dérbi paulistano. Também na arquibancada. Ao sul e ao leste (e por todos os outros cantos), a torcida rival parece acreditar no que diz:
"Aqui, não", dispara-se a todo momento. A autoconfiança cede espaço à arrogância:
"Aqui, não", proclama-se.
Havia, do outro lado, ao norte, um novo telão. Dois, aliás, cada qual com imagens distintas. O placar, no entanto, só funciona quando convém - os gols visitantes o deixam em compasso de espera por longos minutos. A leste e a oeste, entre setores superior e inferior, longos
displays de led, cujos gols têm algumas centenas de vogais e consoantes, ficam a disparar mensagens de incentivo, letras de músicas ou recados querendo instaurar uma nova ordem (
"É proibido fumar",
"Respeite o lugar marcado",
"Devolva a bola"). Pura poluição visual, a distrair a atenção do que realmente importa: a cancha.
Aqui, sim.
Rola a bola. Em campo, Palmeiras e Corinthians - assim mesmo. Um clássico gigantesco. Taticamente, tecnicamente, emocionalmente. Na entrega de lado a lado, nas opções criadas, nas chances, nos gols, nas defesas, na bola que vai à trave, nas alternativas, nas falhas de lá e daqui. E também nas torcidas, ambas de parabéns pelo espetáculo proporcionado. Um clássico como há muito não se via.
E então, dentro de campo, não há faixas, telões ou
displays que façam a diferença. Porque é lá dentro que tudo que se decide e, torno a dizer, há camisas que pesam mais do que as outras. Há camisas que pesam quando mais se precisa delas. Que se fazem notar nos momentos extremados. Que imploram por um jogo como o de ontem.
"Enquanto existir uma camisa verde com
um P no peito, deve haver respeito".
O Palmeiras tal como conhecemos andou ausente, bem sabemos. Perdemos a mão, caímos algumas vezes, sofremos mais que o suportável. Mas continuamos sendo Palmeiras. Ainda mais diante do rival que adoramos colocar no devido lugar.
Porque, a despeito de sequências adversas como a atual, sempre teremos 1993 - e o mosaico pré-jogo entrou em campo, tenham certeza disso. Sempre teremos 1974. E 1999/2000, cujos pênaltis, todos eles, vieram a campo no anoitecer de Itaquera. E sempre teremos cada uma das vitórias grandiosas que fizeram do Palmeiras o gigante que ele é. Inclusive esta última, pois, em que pese a frieza dos números (alguns dirão, inutilmente, que segue o tabu recente e que não caiu a invencibilidade), a conquista que alcançamos é maior do que todas as muitas vitórias que deixamos de conseguir nestes últimos anos.
Para todo o sempre, o empate no segundo confronto entre Palmeiras e Corinthians no extremo leste da cidade virá acompanhado de um asterisco. E ele destacará, em letras garrafais, que o Palmeiras triunfou no primeiro jogo decisivo que se disputou no estádio onde,
dizem diziam, ninguém poderia superar o time mandante.
A vitória que figurará para as estatísticas virá muito em breve. E outras tantas. Mas a história haverá de proclamar o 19 de abril de 2015 como o domingo em que Itaquera viu o triunfo de 14 camisas verdes, um técnico que ousou além do que parecia ser sensato e 1.800 guerreiros que seguimos até território inóspito para defender o peso da história contra a arrogância dos incautos alvinegros.
Aqui, sim.
E em qualquer lugar onde houver Palmeiras.
(...)
14 pênaltis depois...
... a neblina seguia no céu de Itaquera. Aos poucos, o Itaquerão foi se esvaziando. Cada um dos 36 mil do outro lado teve de deixar o estádio ouvindo, em alto e bom som, a festa dos 1.800 intrusos de verde - uma retirada que doeu bem mais do que eles querem admitir. E então, já apenas os de verde por ali, a neblina ganhou a companhia da chuva. Providencial. Para lavar a alma de cada um dos 1.800 guerreiros que cantamos pelos milhões que ali gostariam de estar.
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Breves considerações finais
_Finda a batalha, por quase uma hora ficamos confinados, isolados em território inimigo. O
display de led agradecia a presença de uma tal nação. Ao fundo, um som ininterrupto: o hino do rival foi executado algumas dezenas de vezes. Ninguém pareceu se incomodar, tamanha era a festa.
_No caminho entre estádio e estação de trem, percorrem-se ruas estreitas e estritamente residenciais. Aqui e ali, no entanto, há alguns estabelecimentos comerciais e que tais. Igrejas, por exemplo. Havia cinco ou seis delas, todas evangélicas, no trajeto. Pelo horário (saímos do estádio às 19h30 e chegamos à estação às 20h30), coincidiu de a multidão palestrina passar por cada uma delas no horário dos cultos. Bons momentos para resgatar uma música lá dos anos 1990:
"O senhor é palmeirense/ Palmeirense eu também sou..."
_Vejo que o treinador adversário reclama do regulamento. Pois ele deveria se lembrar do seguinte: em 2011, o Palmeiras, dono da melhor campanha, foi eliminado, nos pênaltis, pelo SCCP (dirigido por ele), depois de fazer a melhor campanha. É futebol, meu amigo.
_Parece haver reclamações, novamente, relacionadas a assentos de plástico danificados. Pois eles não deveriam estar ali - a exemplo do que acontece lá do outro lado. Simples assim.
_Da mesma forma que tentam utilizar imagens de televisão para identificar e punir torcedores infratores, deveriam agora se preocupar com a identificação do bandido que agrediu torcedores que apenas comemoravam. Vejam
aqui e
aqui imagens do flagrante.