10 dezembro 2014

Carta ao promotor

Sr. Dr. Paulo Castilho,

Assim, de início, um pouco de Chico Buarque para vossa excelência:

“Não é por estar na sua presença 
Meu prezado rapaz 
Mas você vai mal 
Mas vai mal demais” 

Eu bem gostaria de te escrever antes, no calor dos acontecimentos, mas há - eu nem sei bem como te dizer isso - quem precise trabalhar para ganhar a vida. Daí então que me manifesto apenas agora, alguns dias se passando desde o desserviço prestado pelo senhor servidor público na semana anterior.

Escrevo porque não pude deixar de notar os arroubos verborrágicos e os pronunciamentos estapafúrdios da última semana. Ninguém pôde. Se já vem de longa data vossa tendência a atacar o nosso estádio, a verdade é que dessa vez o senhor se superou. Se antes, voltando aos idos de 2006 ou de 2008, vossas imaginárias celeumas tentavam evitar que o Palmeiras pudesse mandar clássicos no seu estádio, eis que agora o senhor foi longe demais em sua obsessão por alguns (muitos) minutos de fama, fazendo ilações, criando cenários hipotéticos e atacando comportamentos inocentes.

Longe de mim fazer suposições sobre vossos interesses acerca da convocação de uma descabida coletiva de imprensa na última semana, mas fato é que o escarcéu foi tão grande (ainda maior que aquele do "barril de pólvora" de 2008) que não há quem seja capaz (não confundir as letras, ok?) de tomar como legítimas as suas proposições.

Primeiro porque, caro promotor, o ataque frontal a um comportamento estabelecido (o de nos reunirmos de maneira um tanto festiva antes de jogos disputados na nossa casa) em nada atenta contra a legislação estabelecida, conforme se pode depreender do parágrafo XVI do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil: "todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente". Não à toa, sr. dr., o trecho acima consta do capítulo "Dos direitos e deveres individuais e coletivos".

Não resta dúvida, pois, sobre o quão descabido (pois sem amparo legal) foi o ataque feito pelo senhor, pertencendo mais ao terreno das vontades individuais ("Eu particularmente sou contra essa aglomeração", "Eu prezo por um entorno mais saudável", "Eu entendo que...", "Eu acho salutar...") e menos a uma defesa dos interesses públicos.

No mais, vossa proposição resvala em uma incoerência: se antes as críticas versavam sobre a necessidade de o estádio Palestra Italia se modernizar para atender aos requisitos de segurança de grandes eventos, eis que agora a arena que ali se ergueu foi pensada exatamente para se adequar a estes novos tempos. Das duas, uma: ou havia problemas antes, quando a praça esportiva era, sob a sua ótica, ultrapassada, ou há problemas agora, nesta era de arenas multiuso. Decida-se, pois.

À luz desta inadequação, fico aqui a imaginar, sr. dr., o que pensam vossos colegas promotores, procuradores e que tais sobre a performance da semana passada - que, na modestíssima análise deste que te escreve, beirou o ridículo. Fico a pensar comigo mesmo: seria o senhor, ali entre os seus, nos corredores da Riachuelo, motivo de escárnio, de uma quase comiseração? Ouviriam-se murmúrios, entre um café e outro, sobre o ocorrido? A conferir.

Você gosta de Chico Buarque, promotor?

Vai mais um trecho então:

“Eu não queria jogar confete
Mas tenho que dizer
Cê tá de lascar
Cê tá de doer”


Isso posto, devo dizer que, no domingo, nem mesmo a situação dramática dentro de campo impediu que cumpríssemos, fora dele, a nossa rotina. Enchemos a Turiassu. E a Caraibas. E a Diana. E a Tucuna. E todas as ruas adjacentes, paralelas, perpendiculares. Um mar verde. Com muita cerveja. Copos e mais copos foram erguidos em vossa homenagem. Garrafas foram derrubadas - no bom sentido. Amigos de longa data se encontraram, confraternizaram, lembraram de tempos idos. Celebramos, pois, a vida.

Não esperamos que o senhor, recluso em vossa incompreensão da felicidade alheia, vá entender isso. Nem queremos. Mas, para além de qualquer resposta aos absurdos preconceituosos que foram expressos em inexplicável coletiva de imprensa (ah, pobre mídia que ainda dá ouvidos a isso...) na semana passada, temos a dizer, pois, que nossos direitos não serão tomados, nem a partir das catacumbas do poder, nem a partir de qualquer outro âmbito.

Te asseguramos, ainda, que não aceitaremos ataques à nossa casa, à nossa gente, aos nossos espaços de convivência e à nossa cultura de torcedores de futebol. Resistiremos com todas as armas que nos estão disponíveis dentro da esfera legal. Entenda o seguinte, pretenso defensor da moral e dos bons costumes: não assistiremos passivamente à destruição da nossa identidade.

Vai mais um pouco de Chico, sr. dr.?

“Não sei se é pra ficar exultante
Meu querido rapaz
Mas aqui ninguém o aguenta mais”


Sugiro, pois, como se algum interesse tivesse em vê-lo feliz, que vossa excelência vá procurar o que fazer da vida. Até porque nenhum de nós aqui está muito preocupado com o que o senhor "acha que é salutar", com o que o senhor "preza" ou com o que o senhor "entende". Tampouco, senhor promotor público, contra aquilo a que o senhor é "particularmente contra". Inclusive porque, salvo engano de minha parte, vossos vencimentos de servidor público são regiamente pagos para que o senhor, a partir do necessário embasamento legal, defenda o bem público, e não vossos anseios mais particulares.

E fique tranquilo: se um dia resolver marcar uma festa na sua casa para vossos amigos (?), saiba que ninguém vai te incomodar. Nem mesmo os palmeirenses, porque cada um de nós vai estar aproveitando a própria vida sem pensar em como atormentar os outros.