29 março 2010
Pobre Maracanã
Perdi as contas de quantas foram as reformas sofridas pelo Maracanã nas últimas duas décadas. Enfiaram cadeiras, fatiaram a arquibancada, criaram novos setores, rebaixaram o gramado, acabaram com a geral, promoveram adequações, evocaram o conforto, pediram para o torcedor ficar sentado, detonaram a estrutura, reduziram a capacidade, proibiram a cerveja, tiraram muito do prazer de se ver um jogo no velho Mario Filho.
Mesmo depois de tantas agressões travestidas de melhorias, a alma do Maracanã permanece viva. Acontece que seus inimigos, entre os quais aquele retardado que aventou a sua demolição, continuam a evocar o tal Padrão Fifa para impor novas mudanças. Não, eu não vou abordar aqui os milhões que serão gastos do dinheiro do povo. É um debate importante, mas para outros fóruns. Aqui se discute a alma do futebol, e é isso que corre risco quando falamos em Copa do Mundo no Brasil.
Escrevo isso tudo porque, vejam os senhores, tivemos o anúncio na semana passada de que o Maracanã deve (ou pode?) abrigar um único jogo da Copa de 2014. Seria a grande final, cabe dizer, mas não deixa de ser um único jogo. Teremos então mais um investimento na casa das centenas de milhões e uma reforma que o detonará por completo para que sejam disputados apenas 90 minutos de futebol.
Vejam a matéria da FSP de 26.03.2010:
Por final, Rio despreza o resto da Copa
Em linhas gerais, eis o que interessa: segundo Ruy César, secretário municipal para a Copa-2014 e para a Olimpíada-2016 (criaram esse cargo mesmo?), o Maracanã vai sediar um único jogo do Mundial, justo a final.
Depois disso, na edição de sábado do mesmo jornal, tivemos o desmentido do prefeito Eduardo Paes, que quer mais jogos no Rio. Pouco importa, no entanto. Afinal, se tivermos não apenas um, mas, digamos, cinco, seis ou sete jogos, nada muda. O que acontece é que a alma do Maracanã e a cultura do torcedor brasileiro serão sacrificados para uma disputa que dura apenas um mês.
Já foram tantas as reformas, tanto tempo de interdição, tanto dinheiro gasto, tantas mudanças estruturais, e agora vem mais uma pela frente. Centenas de milhões sendo investidos à toa, mais agressões contra a alma do Maracanã, mais um atentado contra cultura do futebol e do torcedor brasileiro.
Não vão deixar o Maraca em paz.
Parabéns, Brazil! Viva a submissão ao Padrão Fifa!
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"Febre de bola", página 118:
"O futebol pelo rádio é o futebol reduzido ao mínimo denominador comum. Sem os prazeres estéticos do jogo, sem o reconforto de uma multidão que sente as mesmas coisas que você, sem a sensação de segurança que se tem ao ver que os zagueiros e o goleiro estão mais ou menos onde deveriam estar, a única coisa que sobra é medo puro.
As duas últimas daquelas quatro partidas semifinais contra o Liverpool quase me mataram. Na terceira o Arsenal abriu o placar no primeiro minuto e ficou se segurando durante os outros 89; passei todo o segundo tempo sentando, levantando, fumando e andando, incapaz de ler, falar ou pensar, até que o Liverpool empatou já nos descontos. O gol de empate foi como o tiro de uma arma que estivesse apontada para a minha cabeça havia uma hora, com a diferença nauseante de não acabar com tudo como uma bala teria feito - pelo contrário, forçando-me a passar por tudo aquilo novamente."
28 março 2010
Desesperança
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Sobre direitos adquiridos
Jogo contra o Mirassol, time precocemente eliminado, ameaça de chuva na zona oeste, ingresso a R$ 30. O que leva alguém a ir ao estádio numa situação dessas?
Eis então que tivemos 3.746 pagantes. Gente demais, em especial se considerarmos que a Mancha não entrou. Por que tanta gente?
Com os senhores, Nick Hornby de novo:
"... havia menos de 20 mil pessoas no estádio, e a maioria dos que se encontravam lá havia ido apenas para registrar sua reprovação a tudo o que ocorrera. (Eu pertencia à outra categoria: aqueles que estavam lá porque sempre estavam lá.)"
Era o meu caso e o de muitos outros amigos também. Fomos ao Palestra porque, em essência, não precisamos de motivos para estar lá. Conheço algumas dezenas de pessoas assim; talvez centenas. Dá pra ver no rosto. Gente que está lá simplesmente porque está sempre lá. Gente que, como eu, já faz parte do cenário todo.
Em sendo assim, aproveito o momento para deixar aqui o link para um post de 2008 que parece fazer sentido agora. Sem ofensas a ninguém, ok? A questão é: qualquer um tem direito de escolher os jogos que deseja ver. Qualquer um pode ficar a temporada inteira no sofá e depois correr atrás de um ingresso para a final. Mas o tipo de torcedor que se dispõe a ver um desinteressante Palmeiras 1 x 1 Mirassol tem uma espécie de direito adquirido para quando a coisa vale realmente. É a minha opinião.
E aí, caros idealizados do tal Avanti, eis o que os senhores deveriam levar em conta na hora de pensar em um programa de fidelidade com o torcedor: CARNÊ DE INGRESSOS
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"Febre de bola", páginas 76 e 77:
"Os grandes clubes parecem ter se cansado das suas torcidas, e sob certo aspecto quem pode culpá-los? Jovens trabalhadores e homens de classe média baixa trazem consigo problemas complicados e ocasionalmente perturbadores; os diretores e presidentes podem argumentar que eles tiveram sua chance e a desperdiçaram, e que as famílias de classe média - o novo público-alvo - não só irão se comportar bem, como pagar muito mais para fazê-lo.
Esse argumento ignora questões básicas que envolvem responsabilidade, justiça e o papel que os clubes têm ou não a representar nas suas comunidades. Mas mesmo sem essas questões, parece-me haver uma falha fatal nesse raciocínio. O prazer que um estádio de futebol pode proporcionar é, em parte, uma mistura do vicário com o parasítico, porque a não ser que a pessoa poste-se no Lado Norte, no Kop ou na Ponta Stretford, fica dependendo dos outros para que a atmosfera seja criada; e a atmosfera é um dos ingredientes cruciais da experiência futebolística. Essas torcidas imensas são tão vitais para os clubes quanto os jogadores, não só porque seus membros são eloquentes no seu apoio, não só porque fornecem aos clubes grandes somas de dinheiro (embora esses fatores não deixem de ser importantes), mas porque sem as torcidas ninguém se daria ao trabalho de ir ao jogo.
O Arsenal, o Manchester United e todo o resto têm a impressão de que as pessoas pagam para ver Paul Merson e Ryan Giggs, e é claro que elas fazem isso. Mas muita gente - o pessoal das cadeiras que custam vinte libras, e os caras dos camarotes-executivos - também paga para ver a torcida que foi lá ver Paul Merson (ou para escutar a torcida gritar com ele). Quem iria comprar um camarote-executivo se o estádio estivesse cheio de executivos? O clube vendia os camarotes incluindo a atmosfera de graça, de modo que o Lado Norte gerava tanta renda quanto qualquer um dos jogadores. Mas quem irá fazer o barulho agora? Será que a garatoda suburbana de classe média ainda virá com suas mamães e papais se o barulho tiver de ser feito por eles mesmos? Ou será que se sentirão tapeados? Porque a realidade é que os clubes estão lhes vendendo ingressos para um espetáculo no qual a atração principal foi afastada para dar lugar a eles.
Mais uma coisa sobre o tipo de plateia que o futebol resolveu atrair: os clubes vão ter de garantir a qualidade, garantir que não haverá anos de vacas magras, porque o novo público não tolerará fracassos. Essas pessoas não são do tipo que irá ver o time jogar contra o Wimbledon em março, estando em décimo primeiro lugar na Primeira Divisão e fora de todas as disputas de títulos. Por que deveriam ir? Elas têm muitas outras coisas para fazer. Portanto, Arsenal... nada de escritas perdedoras de 17 anos de duração, feito aquela entre 1953 e 1970, certo? Nada de ficar flertando com o rebaixamento, feito em 1975 e 1976, nem nada de meia década sem sequer chegar a uma final, feito a que nós tivemos entre 1981 e 1987. Nós, fregueses de caderno, aturamos tudo isso, e pelo menos 20 mil de nós aparecíamos lá por pior que o time jogasse (e às vezes jogava muito, muito mal mesmo); mas essa turma nova... não tenho tanta certeza assim."
25 março 2010
Os mentirosos
Outro Canal - Ilustrada
Pesquisa diz que torcedor quer jogo às 21h40
Pesquisa da Federação Paulista de Futebol mostra que as partidas das 21h40 (transmitidos às 21h50 pela Globo) são as que mais enchem os estádios. Até a 14ª rodada do Paulistão 2010, as competições desse horário representaram só 10% do total de 140 jogos, mas foram as mais cheias entre as realizadas em meio de semana: reuniram 7.573 torcedores em média, contra 2.897 das partidas ocorridas em outras faixas. A preferência, no entanto, é previsível. Esses jogos põem em campo os times melhores emais competitivos - e as torcidas mais numerosas. Esse horário -e a respectiva transmissão pela TV- terá que mudar caso seja sancionado pelo prefeito, Gilberto Kassab, um projeto de lei, aprovado pela Câmara, que proíbe a continuidade de jogos após as 23h15. A transmissão de partidas das 21h40 é a principal fonte de receita dos clubes. No Paulistão, por exemplo, o contrato de R$ 70 milhões com a Globo representa dois terços da arrecadação total do campeonato. A coluna apurou que a Globo entende como "descabido" o projeto. Tem estatísticas que confirmam a preferência do torcedor pelo evento às 21h40, mesmo com uma opção às 21h. Uma das justificativas que sustentaram a aprovação do projeto de lei foi a dificuldade de transporte para o torcedor retornar à casa após o jogo. "Por que não manter o Metrô aberto por mais meia hora?", sugere Marco Polo Del Nero, presidente da federação.
Parece até coisa comprada, mas eu acredito mais em despreparo da colunista, dado que o título não reflete o conteúdo. Aliás, cumpre dizer que a nota acima foi publicada não no caderno Esporte, mas na Ilustrada, que atinge o público que interessa à emissora de TV. Em vez de notícias sobre novelas idiotas e reality shows imbecilizantes, eis que temos um texto em defesa dos interesses globais.
24 março 2010
Torcedor, o que você quer?
Globo e FPF manipulam os números para alardear a suposta preferência do torcedor pelos jogos às 21h50 durante a semana.
Você prefere esse horário? Sim ou não?
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"Febre de bola", página 24:
"Naqueles estágios iniciais minha relação com o Arsenal era de natureza estritamente pessoal: o time só existia quando eu estava no estádio (não me recordo de ter ficado excepcionalmente acabrunhado pelos resultados ruins fora de casa). No que me dizia respeito, se o time ganhasse os jogos que eu via por 5 a 0 e perdesse o resto por 10 a 0 a temporada seria boa."
23 março 2010
Messi, Romário e Marcelinho
22 março 2010
Tudo na mesma
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"Febre de bola", página 228:
"Dezoito anos, todos esquecidos num só segundo."
18 março 2010
Fugindo do debate
A pergunta que se coloca é: desde que surgiu o projeto de lei, há meses, houve algum pronunciamento por parte da emissora de TV, interessada direta no assunto? À resposta: Não! É bastante curioso se levarmos em conta que, em um Estado de direito como o nosso, pessoas, entidades ou grupos econômicos que se sentem prejudicados por um projeto de lei tendem a fazer uso dos espaços de debate para apresentar argumentos e tentar, via opinião pública, demonstrar os equívocos no que está sendo proposto.
(Até a indústria do tabaco, quando da aprovação da lei anti-fumo em SP, se prontificou a entrar no debate, vejam só!)
Cabe então questionar: Globo, quais são seus argumentos? Afinal, o que justifica a realização de jogos às 21h50? O que faz disso algo necessário? Existe algo que não a sua cretina e obsoleta grade de programação? Algo que não sejam os seus programas retardantes e alienados, as suas novelas e reality shows imbecilizantes? Existe algo além disso, Rede Globo?
É evidente que não. Se houvesse algum argumento, por menor que fosse, a justificar o futebol "depois da novela" (notem que o horário nunca é divulgado nos anúncios pré-jogo), ele teria sido colocado em debate. Não foi. Não houve debate. É uma batalha em que os argumentos proliferam de um lado, à exata proporção dos interessados na lei, e inexistem do outro.
Sem argumentos, a Globo não se posiciona (ao menos não pelos meios corretos). Fica calada, como se nada estivesse acontecendo. Age nos bastidores, na surdina, por baixo dos panos, na politicagem suja. Aposta no poderio financeiro, no endividamento dos clubes, na relação promíscua com dona CBF e seu Ricardo Teixeira. E, como no caso de notinha safada publicada na FSP de hoje (e que será desmontada em breve), faz de Marco Polo Del Nero um capanga de seus interesses escusos. E fica tudo por isso mesmo.
São milhões de interessados na lei. Milhões. Em especial os torcedores, mas não só: também os jogadores, os profissionais do futebol, o policiamento, autoridades públicas, terceiros que trabalham em função do esporte, jornalistas, qualquer um que não esteja do lado da porra da família Marinho.
O torcedor quer jogo em horário decente. O torcedor, ao contrário do que pensa o nefasto Marco Polo Del Nero, é também um trabalhador. Precisa chegar em casa depois do jogo. Precisa de transporte público. Precisa ser respeitado. Precisa dormir. Precisa bater o cartão no dia seguinte e contribuir para o desenvolvimento do país. E não adianta dizer que ele pode optar por não ir. Não faz sentido: se o torcedor quer ir ao estádio, ele tem esse direito e precisa ser incentivado. E mesmo o simpatizante, que não costuma ir a estádios, tem o direito de poder dormir em um horário decente.
Os argumentos a favor da lei são inúmeros, a situação na verdade sequer precisa de um debate, tão clara que é. Mas a batalha tende a ser perdida novamente. Vai pesar o poderio financeiro e a articulação político-criminosa de Marcelo Campos Pinto, da família Marinho e de uma meia dúzia de filhos da puta engravatados.
O estádio como estúdio. Eles vão chegar lá.
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Nenhum outro assunto, vocês já devem ter percebido, me irrita tanto quanto a interferência da emissora de TV nos horários do futebol no Brasil. A lei aprovada aqui em SP (e que tende a receber o veto do prefeito ou então ser submetida a alguma tramoia de nossos dirigentes) deveria ser apenas o prenúncio de um longo trabalho. Pelo fim dos horários esdrúxulos, pelo fim do futebol na madrugada, pelo fim dos horários cretinos no final de semana, pelo fim da manipulação na tabela, pelo fim das alterações de última hora, pelo fim das adequações à grade de programação, pelo fim da alienação.
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"Febre de bola", página 234:
"Decisões do árbitro escandalosamente ruins: Prefiro que o Arsenal seja a vítima, e não o beneficiário, delas, desde que isso não nos custe a partida. A indignação é um ingrediente crucial da experiência futebolística perfeita; portanto, não posso concordar com os comentaristas que argumentam que a arbitragem é boa quando o árbitro não é notado (embora, como todo mundo, eu não goste que o jogo seja interrompido a cada poucos segundos). Prefiro notá-los, vaiá-los e sentir-me roubado por eles."
16 março 2010
Bolão do Brasileiro
Vou pensar depois se existe alguma regra possível para um bolão assim tão inusitado, mas fica aí a ideia. De início, para facilitar a vida dos palestrinos, segue a relação dos jogos do Palmeiras, da primeira à última rodada:
15 março 2010
Renascimento?
03.10.2009, domingo à tarde, Vila Belmiro
Santos/SP 1 x 3 Palmeiras
Com a vitória contundente no clássico, o líder Palmeiras abre uma vantagem de oito pontos sobre o vice-líder. Impossível conter a euforia. Na saída da Vila Belmiro, reunidos em um boteco ali em Santos mesmo, comemorávamos o que parecia ser a confirmação de um título há muito esperado. Ainda hoje, lembro da ordem dos abraços em cada um dos amigos que por ali chegavam. "É campeão, porra!". Não, ninguém deixou escapar essa frase. A cautela nos precede. Mas era o que todos pensávamos. O que não sabíamos é que o Palmeiras-2009 tinha feito sua despedida naquela tarde praiana. Quatro dias depois, empate em casa com o Avaí. O que veio a seguir é exatamente o que nos levou ao cenário depressivo que antecipou o mais recente duelo na Baixada.
14.03.2010, domingo à tarde, Vila Belmiro
Santos/SP 3 x 4 Palmeiras
Superação, redenção, a camisa que entra em campo quando desafiada, a história que faz moleques se portarem como moleques, os guerreiros que renascem na hora da batalha, o grande time que coloca seu rival no devido lugar, o Palmeiras como Palmeiras. Foi tudo o que vimos ontem à tarde. O resto é com o tempo...
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"Febre de bola", página 237: "Mas novamente trata-se daquele negócio de estar no centro do mundo: depois do jogo fomos para casa sabendo que aquilo que tínhamos visto, ao vivo, fora o momento esportivo mais significativo daquela tarde, um momento que seria debatido por semanas, meses, que chegaria ao noticiário, e sobre o qual todos nos perguntariam no trabalho segunda-feira de manhã. De modo que no final é preciso reconhecer o privilégio que foi estar ali e ver todos aqueles homens adultos bancando os idiotas na frente de 35 mil pessoas; eu não teria perdido aquilo por nada desse mundo."
09 março 2010
Pobre futebol
Tive o cuidado de examinar minuciosamente os 35 posts publicados neste blog em 2010. Deles todos, 28 têm um tom extremamente crítico, nem tanto devido a placares adversos, mas normalmente por conta de pessoas, atitudes ou declarações que atentam contra o futebol e a sua cultura. Por sinal, todos os últimos 10 textos seguem essa linha. Esses 28 correspondem, vejam os senhores e as senhoritas, a 80% do total deste ano. Os sete restantes seguem a linha da empolgação, do entusiasmo, do amor pelo jogo ou da comemoração por vitórias efêmeras.
Feito isso, percebi que todos os textos pendentes, rabiscados na minha agenda, esboçados em uma folha de papel solta ou rascunhados no celular, têm o mesmo tom crítico e contestador, e isso, cabe dizer, não é culpa minha.
Foi então que corri até o texto publicado em 26 de janeiro, quando relatei um pouco da minha insatisfação com os rumos tomados por esta página. Eis aqui. Percebi então que a coisa só se agravou desde então, e que os seguidos atentados contra a cultura do jogo parecem se intensificar a cada dia, quase como um rolo compressor que procura dar fim ao futebol tal como ele é.
É isso que explica o meu esgotamento atual. Cansei de abrir o jornal todos os dias logo cedo e me deparar sempre com notícias ruins para quem gosta de futebol. Percebam, caros amigos, conhecidos, desafetos, inimigos ou indiferentes: só o que temos ultimamente nas páginas esportivas são atentados clamorosos contra o esporte.
Se você é uma pessoa normal, que apenas lê a notícia e, digamos, fica revoltado, solta um palavrão e logo passa para a matéria seguinte, sou obrigado a admitir a minha inveja. Acontece que eu não posso fazer o mesmo. Porque, afinal de contas, mantenho essa página já há sete anos, ela é parte importante da minha vida e eu preciso dar vazão ao que se passa na minha mente. É então que a leitura de qualquer nota ou notícia vem acompanhada de todo um raciocínio sobre o que escrever e como revidar o que está sendo dito. E às vezes, devo confessar, eu me sinto falando sozinho.
São os horários ridículos, as tabelas de campeonatos jogadas no lixo (e aquelas que demoram a sair), as inversões de mando, os clubes caipiras que vendem seus mandos para prefeituras oportunistas, os políticos que tentam aparecer às custas do esporte (e os que querem ser políticos um dia), os dirigentes que só sabem dizer (e fazer) besteiras, os covardes diretores do Palmeiras, os ingressos a preços extorsivos, os jogos de quinta às 17h, os palhaços do apito que fazem de tudo para aparecer.
É o promotor que só pensa nas eleições, é o Batalhão de Choque que não faz o seu trabalho, é o procurador que não tem o que fazer, é o presidente de federação que ofende o torcedor, é a diretoria que suja a história do Palmeiras com uma fuga de campo, é a completa falta de organização em tudo, é a chuva 'superestimada', é o programa de relacionamento do clube com o consumidor, é o Setor Visa, é a merda do time que muda de nome no meio do campeonato depois de abandonar a sua cidade, é a maldita Presidente Prudente/MS que insiste em existir, é a porra de Barueri.
São os jornalistas hipócritas, os colunistas que defendem interesses escusos, os jornais a serviço de um único clube, as mentiras deslavadas, as matérias encomendadas, os falsos profetas da moral e dos bons costumes, os idiotas do fair play, os comentaristas de estúdio, os defensores do sofá, os elitistas, os empresários e marqueteiros que só veem cifrões no horizonte, as empresas que só sabem explorar o jogo, os coxinhas que esqueceram de estudar e só sabem usar de violência.
É a TV que faz força para jogar o futebol cada mais próximo da madrugada, é o torcedor que paga o preço pela alienação do povão, é a novela roubando o nosso sono, é o batalhão de vagabundos de terno tentando derrubar o PL que proíbe jogos na calada da noite, é a lei que veta palavrões nos estádios da Paraíba, é o Cirque du Soleil, é o padrão Fifa, é a seleção brasileira que manda seus jogos em Londres, é o tribunal que pune o próprio futebol, é o bizines, é a Copa-2014, é a politicagem rolando solta, é o Maracanã sendo reformado sem motivo.
É, em resumo, o tal do futebol moderno.
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Tudo isso para pedir que não estranhem se este blog ficar sem atualização pelos próximos dias. Porque aqui se valoriza o futebol com alma, e isso é tudo o que não temos nesses tempos tão, como é que eles gostam?, modernos. Pobre futebol...
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Para compensar, fiquemos com um momento inspirado de Nick Hornby. Com vocês, “Febre de bola”, páginas 186 e 187:
“Uma coisa que tenho certeza acerca do ato de torcer é o seguinte: não se trata de um prazer vicário, apesar de todas as aparências indicarem o contrário, e quem diz que prefere jogar a assistir não percebe o principal. O futebol é um contexto no qual assistir se torna jogar – não no sentido aeróbico, porque assistir a um jogo até não poder mais, beber no final e comer batata frita a caminho de casa são coisas que provavelmente não lhe farão muito bem na receita de Jane Fonda, da mesma maneira que ofegar para cima e para baixo num gramado supostamente faz. Mas quando há alguma espécie de triunfo, o prazer não é irradiado dos jogadores para fora até nos atingir no fundo da arquibancada em forma pálida e reduzida; nosso prazer não é uma versão aguada do prazer do time, embora sejam eles que marquem os gols e subam os degraus de Wembley para cumprimentar a princesa Diana. A felicidade que demonstramos em ocasiões como essa não é uma celebração de boa sorte dos outros, mas da nossa própria; e quando ocorre uma derrota desastrosa, a tristeza que nos engolfa é, na realidade, autopiedade, e quem quiser compreender como o futebol é encarado tem de perceber isso acima de tudo. Os jogadores são meros representantes nossos, escolhidos pelo técnico em vez de eleito por nós, mas ainda assim representantes nossos; e às vezes, se você olhar com atenção, conseguirá até ver as varetas que os unem e as maçanetas laterais que nos permitem movimentá-los. Eu faço parte do clube, assim como o clube faz parte de mim; e digo isso com plena consciência de que o clube me explora, desconsidera minhas opiniões e me trata mal em várias ocasiões, de modo que meu sentimento de ligação orgânica não se baseia numa compreensão equivocada, confusa e sentimental dos mecanismos do futebol profissional. Essa vitória em Wembley pertenceu a mim tão completamente quanto pertenceu a Charlie Nicholas ou a George Graham (será que Nicholas, que foi dispensado por Graham logo no início da temporada seguinte, e depois vendido, recorda aquela tarde com tanto carinho?), e me esforcei por ela tanto quanto eles. A única diferença entre mim e eles é que eu já investi mais horas, mais anos, mais décadas do que eles, de modo que compreendi melhor aquela tarde e tive uma percepção mais agradável de por que o sol ainda brilha quando lembro dela.”
07 março 2010
Vergonha
Nem quero pensar no que efetivamente se passou pela cabeça de nossos dirigentes (?), mas fato é que não faz sentido um adiamento ser pensado (ou seria tramado?) mais de seis horas antes do jogo - e é no mínimo emblemático que o antagonista de tudo tenha sido o senhor Gilberto Cipullo, em contato com Marco Polo Del Nero, o nefasto.
O sol que brilhou no final da tarde em São Paulo e as imagens do gramado em perfeitas condições de jogo a partir das 15h serviram apenas para evidenciar que existe algo de muito errado nessa história toda. Por sinal, a cada vez que leio as notícias e vejo tantas informações desencontradas, a certeza se fortalece.
O que se desenrolou a partir da fuga de campo (ou do encontro com a torcida?), diga-se de passagem, apenas amplia o constrangimento que sentimos agora os palmeirenses: veto dos coxinhas, show de rock no outro final de semana e um time desalojado indo direto para Barueri, que ultimamente parece ser a solução para todos os problemas do futebol paulista - menos para o time da própria cidade, que fugiu para o Mato Grosso do Sul.
Se, afinal, por conta da covardia da nossa diretoria, da incompetência da PM e da visita de Axl Rose, não poderia o jogo acontecer no Palestra, por que o Pacaembu é simplesmente desconsiderado? Por que cazzo a fixação por Barueri? Por que submeter o palestrino a um jogo em outra cidade em plena segunda-feira à noite?
Parece não haver limites para a incompetência da nossa diretoria. E o que aconteceu ontem, que eu encaro como uma fuga de campo, é motivo de vergonha. A nossa história não merecia um capítulo desses. Vergonha!
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Senhores diretores,
Obrigado pelo presente!
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"Febre de bola", página 189:
"Meus amigos que não curtem futebol e meus familiares nunca conheceram alguém mais louco do que eu; na realidade, estão convencidos de que sou tão obcecado quanto é possível ser."
05 março 2010
Guerra declarada
O roteiro não tem lá muitas novidades (é bem previsível até), mas este blog insiste em perguntar: os caras marcaram o jogo para quinta às 17h, e a culpa é do torcedor? Fizeram isso para atender à conveniência de uma meia dúzia que mora fora do Brasil e a culpa é do sujeito que arrisca até perder o emprego só para ver o seu time jogar em um horário assim tão cretino? É isso?
Com a palavra, os “organizadores” do espetáculo. Nos jornais de hoje, eles tentam se defender com um argumento patético: “a torcida chegou em cima da hora”.
Que coisa, não? Que falta de organização, a dos torcedores?
Ainda os “organizadores”, que se defendem com a alegação de que a bilheteria estava aberta desde as 9h da manhã.
9h da manhã? PQP! Por que esses caras não conseguem entender que as pessoas normais costumam trabalhar entre 9h e, sei lá, 17h? T-R-A-B-A-L-H-A-R, sabem? É tão difícil assim?
É, deve ser culpa do torcedor...
Chegamos então à figura de Marco Polo Del Nero, um capacho da emissora de TV, que se prontifica a tomar a dianteira na batalha contra o projeto de lei que pretende evitar partidas de futebol disputadas em horários obscenos.
Eis que Del Nero apresentou um estudo mentiroso (que este blog, com o devido tempo, vai desmontar). O texto está na Folha de S.Paulo de hoje, e eu trago aos senhores pequenos trechos da matéria, que constitui uma declaração de guerra ao torcedor:
1. Del Nero manipula números para construir o argumento de que o torcedor prefere jogos “depois da novela”. Nas palavras do próprio: “Em todos os critérios comparados, o horário das 22h é o melhor. Se não tivesse a Rede Globo, eu defenderia do mesmo jeito, porque é o melhor para os clubes”. A desconstrução da matemática picareta do presidente da FPF se dará com o devido tempo, mas a simples tentativa de atribuir ao torcedor essa preferência constitui uma grave ofensa.
2. Ele ameaça, se aprovado o projeto de lei, tirar os jogos da capital paulista, em claro desacordo com o direito de os clubes exercerem seus mandos onde bem entenderem.
3. Vamos ao trecho mais revoltante da matéria:
“Para o presidente da FPF, o Paulista é feito para públicos distintos. E o trabalhador que tem de levantar cedo no dia seguinte, diz Del Nero, deve evitar ir aos jogos das 21h50."O Paulista é 100% televisionado. Ele pode acompanhar a partida de casa", diz o cartola, sugerindo as partidas transmitidas pela Globo e pelo pay- -per-view. "A maioria dos jogos é exibida ao vivo. Agora, não dá para transmitir tudo no mesmo horário", afirma Del Nero.”
Foi longe demais, Del Nero!
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"Febre de bola", página 53:
"À chegada, éramos recebidos por centenas e centenas de policiais, que aí nos escoltavam ao estádio por uma rota tortuosa, afastada do centro da cidade; era durante essas caminhadas que eu dava rédeas às minhas fantasias de hooligan urbano. Sentia-me totalmente seguro, protegido não só pela lei como pelos demais torcedores e, portanto, juntava os urros da minha voz ainda esganiçada aos refrões ameaçadores dos outros."
04 março 2010
O fim da farsa
Mas querem saber o que é pior?
É que sábado, diante do inexpressivo Sertãozinho, eu e outros tantos estaremos lá novamente, na mesma arquibancada, diante deste mesmo grupo fracassado e pagando os mesmos R$ 30 para mais um capítulo que envergonha a nossa história.
***
Demorei a escrever porque desde ontem, ao sair do Palestra, não sabia nem por onde começar. E porque a vida nos impõe certas situações que, penosas ou não, ao menos dependem de nossos próprios esforços. Ainda assim, por mais que eu pense e pese uma série de circunstâncias, não consigo ter o desprendimento necessário e algo me leva de volta para o mesmo lugar.
***
"Febre de bola", páginas 69 e 70:
"Aprendi certas coisas com o futebol. Muito do meu conhecimento de lugares na Grã-Bretanha e na Europa não vem da escola, mas de jogos fora de casa e das páginas de esportes, e o hooliganismo me deu ao mesmo tempo gosto pela sociologia e um certo grau de experiência com pesquisa prática. Aprendi o valor de investir tempo e dinheiro em coisas que eu não posso controlar, e de pertencer a uma comunidade com cujas aspirações me identifico de forma completa e acrítica."
03 março 2010
Tabela mutante
Prudente. Quer dizer que a merda já mudou de nome, é? E já contaminou a tabela de classificação e tudo mais?
Fui então ao site da FPF e constatei que o nome já foi alterado do início ao fim da tabela de jogos. E assim, meus caros, descobri que, em jogo válido pela segunda rodada, no dia 21 de janeiro, o Palmeiras empatou em dois gols com o Grêmio Prudente (?) e não mais contra o Barueri, como de fato aconteceu na ocasião.
Fomos roubados, lembram-se disso? Mas agora eu estou com uma dúvida existencial: contra quem se deu o roubo? Contra o Barueri? Ou contra o Prudente? Ou contra os dois?
No Brasil, a tabela é mutante, e isso já foi dito muitas vezes por este blog. Mas antes só mudavam os horários; agora, no Paulistão, os filhos da puta mudam até os nomes dos times. Porra, como é que pode um time começar o campeonato com um nome e terminar com outro? Como pode?
Boa, Del Nero!
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Do Painel FC de hoje:
Improviso. Quem acompanhou os treinamentos do agora Grêmio Prudente, ex-Barueri, afirma que os atletas treinam em campo de uma construtora de Presidente Prudente e tem usado como vestiário dois contêineres colocados ao lado do gramado.
Viva a modernidade! Viva o progresso!
Viva Presidente Prudente/MS!
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Por falar em tabela, eis que vamos jogar de novo numa quarta-feira às 21h50. Só falta chover de novo...
***
“Febre de bola”, páginas 70 e 71:
"Isso – a perspectiva de morrer em plena temporada daquele jeito – me preocupa, mas é claro que com toda a probabilidade vou morrer em algum momento entre agosto e maio."
(...)
"Não quero morrer em plena temporada, mas por outro lado creio ser daqueles que ficariam felizes se suas cinzas fossem espalhadas sobre o gramado de Highbury. Seria bom poder ficar pelo estádio de alguma forma, vendo o time titular jogar num sábado e os reservas no outro; também gostaria de ter certeza que meus filhos e netos serão torcedores do Arsenal e que poderei assistir aos jogos com eles. Não parece uma maneira ruim de passar a eternidade, e certamente eu preferiria ser espalhado por cima da Arquibancada Leste do que ser despejado no Atlântico ou largado no topo de uma montanha."
Onde está o povo?
Aí a matéria, lá pelo quarto parágrafo, tenta justificar o título:
“A pressão popular pelo jogador foi quase inexistente. Apenar uma parcela ínfima dos brasileiros, maioria no Emirates Stadium, pediu a presença do jogador milanista, de forma breve, ao final da partida.”
Que tal discutirmos o conceito de “popularidade”? Não me refiro aqui ao sentido que se inclina para o lado de “celebridade”, mas para o sentido de “povo” mesmo. A pergunta que fica é: onde está o povo a que faz referência a matéria? De onde vem esse suposto clamor, minimizado ontem? No Emirates Stadium, como sugere o texto?
Onde está o povo, porra?
O povo não estaria no Pacaembu, no Maracanã, no Mineirão ou no Arruda? Não estaria em qualquer estádio brasileiro, de preferência sem os preços exorbitantes cobrados atualmente? Ou o povo está no Emirates Stadium mesmo? Que cazzo de povo é este?
Ou alguém por aqui, no Brasil, está preocupado com Ronaldinho, Robinho, Dunga ou qualquer dessas tranqueiras? Alguém está preocupado? (Não, não vale o Galvão Bueno.)
"Pressão popular" é algo que tivemos em 2002 com Romário. Ali o povo se pronunciou, pediu o Baixinho de volta, fez nascer um clamor 'popular' de fato. Não se vê nada disso nos dias de hoje por qualquer outro jogador. Aliás, não se vê qualquer tipo de mobilização, até porque o povo tem o costume de trabalhar enquanto a seleção brasileira manda seus jogos em Londres.
E eu bem sei o quanto meu primo, morando por lá há seis anos, está preocupado com essa merda de seleção...
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A bem da verdade, eu não me importo nada com essa pataquada toda. Nem sabia que tinha jogo ontem, só vi o resultado hoje cedo e quero mais é que se fodam todos os que estão vestindo essa camisa.
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Por falar em camisa, que merda essa Nike, não?
adidas é adidas, é só isso que eu tenho a dizer.
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Para encerrar tão desimportante assunto, deixo aqui a pergunta que já fiz ontem no Twitter:
Que diferença existe entre o Brasil mandar seus jogos em Londres e o Barueri mandar seus jogos em Presidente Prudente/MS?
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“Febre de bola”, página 62:
"Mas a verdade nua e crua é que o clube é mais importante para nós, torcedores, do que para eles. Onde estavam eles vinte anos atrás? Onde estarão daqui a dois anos alguns deles? (Em Villa Park ou Old Trafford, correndo em direção ao gol do Arsenal com a bola nos pés, é lá que eles estarão)."
01 março 2010
Até na coluna social?
"Eu não tenho medo de que me batam. Agora eu quero ver bater na minha frente"
Falou bonito, não? Acontece que este blog já comprou a briga muito tempo atrás. Já faz mais de quatro anos que o promotor é tido por aqui como, digamos, um desafeto. E certas brigas ficam mais fáceis quando o próprio oponente se encarrega de se boicotar. Foi o que fez o midiático promotor, que resolveu pular das páginas esportivas logo para uma coluna social.
Faz sentido, pois também é possível angariar votos de quem lê colunas sociais. Vejamos, pois, o que consta de sua aparição na Ilustrada de hoje, mais especificamente na página da colunista Mônica Bergamo:
Sem babá
O promotor Paulo Castilho, do Juizado Especial Criminal, pedirá o fim da escolta às torcidas organizadas em dias de jogos. "Chega de ficar pajeando delinquente. Nada justifica que eles tenham escolta maior que a do governador", diz ele, que, no ano passado, declarou que suspender o acompanhamento dos torcedores era "inimaginável". O promotor tenta marcar reunião para esta semana com o secretário da Segurança Pública e os chefes das polícias civil e militar.
Ficou mais fácil assim. Nem precisei me dar ao trabalho de desconstruir nada. Boa noite, promotor.
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"Febre de bola", página 26:
"Pela primeira vez, de repente, tomei consciência de todos os torcedores do Swindon sentados ao nosso redor com aqueles sotaques horrorosos do oeste, aquela alegria inocentemente absurda, aquela incredulidade delirante. Eu nunca cruzara com torcedores adversários antes, e senti um asco deles que nunca sentira por estranhos."
E isso me soa tão familiar...