27 junho 2013

As histórias do Choque-Rei

























Eis aqui um bom exemplo de TCC que virou produto editorial. Dois jornalistas formados pela UNIBAN, Gabriel Lopes Vieira (palestrino) e Renato Ferreira de Souza (são-paulino), se uniram para escrever um livro-reportagem sobre a rivalidade entre Palmeiras e SPFC - tendo 1942 como uma das motivações primárias. O livro, no entanto, não envereda muito por esse tema (já destrinchado pelo Galuppo e pelo Celso), e se preocupa mais com a reconstituição dos embates entre os inimigos e da animosidade entre eles.

Com uma diagramação bastante simples (mas eficaz) e uma narrativa episódica, a obra não traz necessariamente nenhuma grande revelação (nem seria possível), mas tem o mérito, por si só notável, de compilar todo o registro histórico dos duelos entre Palmeiras e SPFC desde 1936.

O livro traz os seguintes capítulos:

-História
O surgimento dos dois clubes, o início da rivalidade, o Jogo das Barricas, a Arrancada Heróica, o porquê do nome Choque-Rei...

Jogos importantes
Está evidente, não?

Personagens
Entrevistas e depoimentos de alguns jogadores que defenderam os dois clubes: Zetti, Antonio Carlos, Turcão, Mário Sérgio, Edu Bala, Müller, Evair (que dor no coração...), Elivélton.

Jogadores
Os que defenderam as duas camisas ao longo da história. Sem entrevistas dessa vez, mas com todos os números.

Técnicos
Brandão, Telê e outros que estiveram lá e cá.

Estádios
Todas as canchas (com foto, ficha técnica e resumo do confronto) que tiveram a oportunidade de sediar o Choque-Rei.
Aqui, uma nota pessoal: Palmeiras-SPFC já foi disputado em 17 estádios diferentes. Tive o privilégio de ver o Choque-Rei em quase todos, à exceção daqueles que ou não existem mais ou receberam o clássico em décadas muito idas. Vejam:
Pacaembu - OK
Morumbi - OK
Palestra Italia - OK
Prudentão - OK
Santa Cruz - OK
Teixeirão - OK
Pq. São Jorge - não
Arena Barueri - OK
Anacleto Campanella - OK
Canindé - OK
Brinco de Ouro - não
Luís Augusto de Oliveira, São Carlos/SP - não
Rua da Mooca - não
Estádio do Café, Londrina/PR - não
Willie Davis, Maringá/PR - não
Morenão, Campo Grande/MS - não
Ramón de Carranza, Cadiz/ESP - não

Fichas técnicas
De 1936 a 2012, todos os duelos.

Curiosidades e estatísticas
É isso!

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Onde comprar: eu achei na Livraria Cultura do Cj. Nacional (não me lembro quanto paguei), mas o livro é editado pela Editora InHouse, de Jundiaí. Vale procurar.

25 junho 2013

Tudo por um banheiro

“Os banheiros deram até nojo de tanto brilho.”
(de um amigo, sobre as condições do Maracanã pós-assassinato)

A verdade, senhores, é que todo esse processo que desfigurou alguns de nossos estádios começou com a obsessão de uma meia dúzia de afetados pelos, como eles gostam de chamar?, toaletes. Porque não é de hoje que me deparo com alguns desses acomodados (favor conferir este post) que não vão a estádios e recebo a seguinte justificativa: “Ah, os banheiros são muito sujos...”. O tipo fala isso assim sem qualquer conhecimento de causa, uma vez que não frequenta os estádios, tampouco seus banheiros. Mas fala. Repete o senso comum mais rasteiro e proclama como problema algo que, convenhamos, não tem a menor importância – a não ser que o sujeito tenha obsessão pelos, qual é a outra palavra mesmo?, lavabos.

Convencionou-se, no discurso furado dos acomodados, colocar a culpa nos banheiros: “eles são sujos e cheiram mal”, “falta papel higiênico”, “não tem sabonete”, “as pessoas mijam no chão”...

Daí então que nego começa a colocar defeito em tudo aquilo que desconhece: no transporte público ineficiente (e o que cazzo o estádio tem a ver com isso?) ou nos flanelinhas (basta ser minimamente inteligente para estacionar o carro sem incômodo em qualquer estádio), nos acessos, na venda de ingressos (e o babaca nem se dá conta de que agora o processo é pela internet e leva menos de um minuto), na falta de conforto (outra besteira enorme), até na chuva que eventualmente pode cair, na qualidade do que se vende para comer (como se estádio fosse um restaurante)...

Mas tudo começa pelo banheiro.

Sei lá, deve ser uma tara, deve ser uma dessas manias esquisitas, deve ser mesmo algum tipo de obsessão bizarra que está além da minha capacidade de compreensão...

Para os fanáticos por banheiro, deixo aqui a indicação para um post, no Impedimento, do Luiz Antonio Simas, que recém-visitou o lugar onde antes ficava o Maracanã. Alguns trechos importantes, incluindo o do banheiro:

"De imediato, constatei que ocorreu mesmo a temida “macdonaldização” do Maracanã. Aquele estádio, agressivamente diminuído, sem traços peculiares, poderia estar em qualquer lugar do mundo que não faria a menor diferença.
Senti-me em um funeral, ainda que divertido, participando do rito de morte do futebol como cultura, reduzido que foi ao patamar de mero evento. Um rito que contamina, inclusive, o vocabulário, agora adequado ao padrão aparentemente neutro do jargão empresarial. O craque virou o “jogador diferenciado”, o reserva é a “peça de reposição”, o passe vira “assistência”, o campo é a “arena multiuso” e o torcedor é o “espectador”. Tudo isso tendo como trilha sonora o brado nacionalista “sou brasileiro, com muito orgulho e muito amor” e o barulho dos helicópteros. Há que se admitir, porém, que o banheiro do Mc’racanã melhorou muito. Para quem gosta de torcer na privada, é um programaço. 

O Maracanã, como patrimônio público que era, foi devidamente destruído. Para usar o jargão da moda, vandalizado. Seria muito pedir cadeia para os vândalos que fizeram isso?"

22 junho 2013

Compromisso com o erro

A perda de quatro mandos de campo a ser cumprida no início da Série B/2013 era do conhecimento de todos desde o final de 2012. Não faltou tempo para avaliar as opções e então transformar o problema em oportunidade, trazendo dividendos para a Sociedade Esportiva Palmeiras. Era função da diretoria fazer isso, buscando o melhor caminho para o clube, para o elenco e para o torcedor. Ponto.

Como inteligência não é o forte dos homens que lá estão, foi entregue, ainda em março, um estudo feito por torcedores para que, após análise, os dirigentes pudessem tomar alguma medida sensata. Partia-se da seguinte premissa: já que a punição é irrevogável, o Palmeiras teria condições de se exibir em praças que há muito não recebem o clube, garantindo a satisfação de parte da torcida e, de quebra, conseguindo um incremento na receita.

Ficou evidenciado, por A+B, que certas cidades, já muito utilizadas pelo clube, apresentavam média de público baixa e decrescente - em função da insistência de várias gestões e de fatores outros. Foram apontadas ainda algumas localidades que poderiam receber o Palmeiras com grandes públicos e com enorme retorno intangível - aquele de agradar o torcedor de cidades 'esquecidas' e, portanto, mais inclinados a viver aquele momento.

Exemplos:
-Franca/SP: cidade afastada do centro do futebol paulista, recebeu o Palmeiras pela última vez em 1995 com estádio lotado;
-Jaú/SP: sem jogos do Palmeiras desde 1996;
-Londrina/PR: o norte do Paraná é uma extensão do interior paulista, predominando os torcedores do Trio de Ferro; o Palmeiras jogou lá pela última vez em 1996 (para 23 mil pagantes) e a cidade vive uma fase especialmente favorável, com o Londrina sendo responsável, agora em 2013 mesmo, pelo maior público do Campeonato Paranaense nos últimos cinco anos. De quebra, tem condições de acesso melhores que todas as cidades a 300 km da capital.

Foram cogitadas ainda outras opções: Bauru/SP, Marília/SP, Araçatuba/SP, São José dos Campos/SP, Sorocaba/SP, Maringá/PR, entre outras bem mais próximas.

A proposta deste grupo de torcedores - ela toda pautada em números e em argumentos lógicos - era mais consistente do que a simples definição do mando de campo. Vejamos, pois:

Transformar a punição em oportunidade
Escolher quatro cidades diferentes para os jogos da equipe no interior, buscando uma mobilização da cidade e da região para a partida. Para isso, é preciso:
-1) Anúncio prévio das cidades escolhidas: o torcedor saberá que é sua única oportunidade de assistir à partida em sua cidade. Se for morador de cidade-satélite, há possibilidade de programar a viagem com antecedência;
-2) Privilegiar cidades que: (a) há muito tempo não recebem o Palmeiras (b) tem histórico de bons públicos quando lá jogamos; (c) possuem estrutura adequada para receber o clube e seus torcedores;
-3) Transformar a partida em um grande evento: ações prévias de marketing, visita de Marcos, venda de ingresso em cidades vizinhas, promoções com sócios Avanti da região;
-4) Ingressos a preços acessíveis. Mais importante do que a arrecadação é o ganho técnico com a presença de torcedores em grande número;
-5) Realizar parceria junto às Prefeituras. Ter o Palmeiras na cidade gera imagem positiva e traz torcedores de fora. É preciso estreitar os laços em cada região para ampliar os ganhos do clube com o jogo;
-6) Distribuir as partidas em cidades afastadas umas das outras. Isso permitirá atingir um raio ainda maior, elevando o potencial de público com a população de cidades vizinhas.


O que fizeram os nossos dirigentes?

Em primeiro lugar, escolheram uma praça que até me agrada do ponto de vista pessoal (a 100 km da capital, facilitando o deslocamento), mas que já se apresentava como um desperdício de oportunidade. Primeiro porque Itu é reconhecidamente um lugar com baixa adesão de público (os números estão aí para comprovar); segundo - e mais importante - porque a diretoria apenas decidiu mandar o jogo lá, abrindo mão de todas as outras ações necessárias: não houve divulgação pela cidade, não se pensou em qualquer tipo de promoção, não houve, como dizem por aí, medidas de ativação.

Para piorar, cobraram R$ 60 pelo ingresso no primeiro jogo (que concorreu com a final da Champions League). Fracasso inevitável.

Daí então que a dupla presidente/CEO e seus asseclas (mais o presidente que os outros, porque as decisões são tomadas muito na base das vontades pessoais do nobre mandatário) se disseram insatisfeitos com o público de Itu (ficou magoado, presidente?) e resolveram procurar outra vizinhança para fazer merda.

Sim, porque cometeram agora o pior de todos os erros que se poderia cometer contra o Palmeiras e contra o seu torcedor: Presidente Prudente.

Sem qualquer explicação lógica. Sem qualquer justificativa. Sem qualquer benefício ao clube. E fizeram isso tudo a despeito da vontade do torcedor palmeirense - que não suporta mais a inexplicável obsessão em torno desta cidade por demais distante - e contra, vejam só, os interesses de quem financia o plano de sócio-torcedor que a dupla presidente/CEO quer fazer crescer na base da imposição.

Nada justifica a opção por Prudente. Nada. E sim, a coisa já se tornou pessoal para a torcida, porque ninguém mais suporta essa opção estapafúrdia.

O que leva o nobre mandatário da S.E.P. a cometer o mesmo erro de seus antecessores? O que o motiva a desafiar o torcedor do clube? O que justifica a decisão de obrigar o palmeirense mais uma vez a se submeter aos caprichos de um político local? O que teria ele a dizer para explicar o desrespeito ao maior patrimônio do clube? Como conferir algum sentido ao boicote que acaba de ser sacramentado contra a quase totalidade dos sócios Avanti?

Se a gestão anterior era puramente inapta, esta "nova" parece tomar outro rumo, o da má intenção. Os dois caminhos parecem conduzir ao mesmo e indesejável destino: a estranha e questionável obsessão por Presidente Prudente.

Há algo em comum entre a incompetência de Tirone/Frizzo e a má intenção de Nobre/Brunoro: o compromisso com o erro.

20 junho 2013

Maurílio, um injustiçado

O título do post talvez nem seja exatamente correto (parece forte falar em injustiça...), mas é que eu me sinto meio no dever de exaltar uma figura tão pouco lembrada em nossa história recente. Porque Maurílio (Cléverson Maurílio Silva, hoje com 43 anos), eterno reserva dos esquadrões alviverdes de 1993 a 1995, seria hoje titular do Palmeiras sem muito esforço. Mas é, em meio à infinidade de craques que pelo Palestra passaram duas décadas atrás, um nome quase nunca lembrado.

Maurílio era o reserva imediato de Evair em 1993 (e também em 1994). Tanto é assim que foi titular em boa parte da campanha do título paulista, em virtude da contusão do Matador. Teve participação destacada em alguns jogos naquele ano, em especial no 6-1 contra o Rio Branco (com 2 gols), na abertura da fase final. Mas sua trajetória com a camisa alviverde tem momentos ainda mais destacados e este post cumpre o objetivo de trazer à tona quatro dessas situações:

1992 
Vejam os senhores: Maurílio, 23, recém-chegado do Paraná Clube, foi vestir a camisa alviverde (ainda com o peso de 16 anos de fila) pela primeira vez logo em um clássico contra o SCCP. Não foi problema para ele: o atacante sofreu o pênalti do primeiro gol e deu a assistência para o segundo. Bela estreia, não?




1993
Ainda antes da final do Brasileiro, Palmeiras e Vitória se encontraram em um mata-mata no mesmo ano. Foi pela Copa do Brasil. Na ida, em Salvador, derrota por 2 a 1. O jogo de volta, no Palestra, seguia complicado, com placar em branco. Daí que Jean Carlo (salvo engano) avançou pela ponta e cruzou para o toque certeiro de Maurílio: 1-0 e a classificação assegurada.
(não localizei nenhum vídeo desse gol; trabalho com a memória)

1994
1º de maio 1994, novamente Morumbi. A campanha comentada daquele Paulistão encontra-se aqui, mas, para todos os efeitos, o que importa é que Maurílio foi a campo para marcar o gol de empate e depois sofrer a falta que resultaria no 3-2 final contra o SPFC. Uma tarde notável. Para a história.



1994
Maurílio era mesmo um cara de decisão. Ainda em 1994, pelas quartas-de-final do Brasileiro, foi dele o gol que garantiu o triunfo contra o Bahia na Fonte Nova. Mas não foi um gol qualquer; foi de uma plasticidade espetacular. Confiram aí:



Entre 1992 e 1995, Maurílio vestiu a camisa alviverde 154 vezes e marcou 25 gols. Venceu todos os títulos daquela fase gloriosa (2 Paulistas, 2 Brasileiros e o Rio-SP). Não é pouca coisa. Nesses tempos de ídolos tão frágeis e em que prevalecem os vagabundos travestidos de jogadores, é justo enaltecer alguém como Maurílio. Fica aqui o reconhecimento deste blog.

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A foto abaixo (da Agência Estado) traz Maurílio em sua apresentação (1992), ao lado do então meia Cuca:




18 junho 2013

Até a volta, Maracanã!

Não é todo dia que a Azzurra se apresenta em solo brasileiro (a última vez tinha sido em 1957). Daí que surge uma oportunidade dessas e...

... e você se depara com uma das experiências mais degradantes a que um torcedor de futebol pode ser submetido. Não só pelo reencontro com o que restou do Maracanã, mas essencialmente porque o palco sagrado do futebol mundial foi tomado por criaturas que desconhecem o seu significado.

Sei que às vezes eu pareço crítico demais (venho tentando maneirar), mas fica difícil me conter diante de certas coisas. Uma vez que muito precisa ser dito sobre esse México 1-2 Italia no lugar onde antes ficava o Maracanã, não vou ter a pretensão aqui de escrever um texto com início, meio e fim. Nem estou com paciência para tanto. Vai aí uma coluna com várias notas esparsas:

PELA HONRA 
Antes de tudo, preciso deixar claro que assisti ao jogo em pé – e em qualquer lugar que não aquele indicado no meu ingresso (nem procurei saber qual era) – e proferi os xingamentos que bem quis. Melhor: vi o jogo em um espaço que sequer tinha cadeiras e, portanto, não poderia ser marcado. Era meio que uma passagem lá no alto, no último degrau. Até porque seria muito difícil fazer isso em outros cantos do estádio, uma vez que imperava a passividade das pessoas, todas conformadas com aquela violência praticada contra o torcedor e contra o futebol.

“PADRÃO FIFA”
Estamos falando da postura de descaracterizar o que já existe para transformar o estádio em um ambiente asséptico, padronizado (claro!) e livre de qualquer traço de originalidade. É por isso que os estádios todos se parecem, a começar pela arquitetura na divisa com o campo: sem alambrado, sem fosso, sem grade e, o traço mais característico, com uma espécie de muro que se presta a expor a identidade visual da Fifa e do torneio em questão.

RETIRADA DO INGRESSO 
Perdi apenas 15 minutos da manhã de sábado para retirar o ingresso no centro do RJ. A questão, no entanto, não diz respeito ao tempo investido, mas ao ato em si. Porque não faz o menor sentido ter de retirar o ingresso em um local se hoje você pode ou carregar o bilhete no seu cartão de crédito (e a Visa é parceira da Fifa) ou receber o dito cujo na sua casa, sem qualquer sacrifício. Ademais, se é para sujeitar o torcedor a retirar o ingresso, que o façam de maneira organizada, com outras opções de lugar e em horários decentes.

RECEBIMENTO 
Do lado de fora, quem chegava ao estádio era recebido pelos voluntários com um protocolar e bem treinado “Boa tarde; seja bem-vindo ao Maracanã”. Eu respondi o primeiro, por pura educação, mas ignorei os demais. Era muita civilidade para quem se acostumou a chegar ao Maracanã se sentindo ameaçado a cada esquina, ouvindo xingamentos daqui e dali e, não raro, tendo mesmo de travar contatos não muito amistosos com os donos da casa (rubro-negros em especial).

OS COXINHAS 
Um ponto positivo: não havia cavalos nas imediações; em consequência, não havia cheiro de bosta de cavalo, tampouco aquele rastro que costuma se espalhar pelas ruas próximas. De resto, todo o aparato militar se fazia presente ali por perto. Como eu cheguei bem cedo (duas horas antes do jogo), não tive grandes problemas para me aproximar do estádio e depois para entrar.

MARACANÃ, UM AEROPORTO
No que depender da Fifa, a experiência de ir ao estádio vai se assemelhar mais e mais a cada dia ao que enfrentamos nos aeroportos, onde a obsessão por segurança é sacal. Até o ingresso, vejam os senhores, se assemelha a um bilhete de companhia aérea: não só pelo formato, mas por aquele monte de números e códigos ininteligíveis. Aí vem o pedido para que o torcedor chegue cada vez mais cedo ao estádio (quase a rotina que precede um voo internacional) e depois todos são submetidos ao detector de metais e a uma via-sacra para conseguir chegar efetivamente ao "portão de embarque". No meio do caminho, as marcas parceiras da Fifa têm direito a um estande comercial, para venda ou demonstração de produtos e serviços. A exemplo do que acontece em um aeroporto, os preços são proibitivos.

“PADRÃO FIFA” (2)
De Rossi disse que o Maracanã está muito “europeu”. Sim, é verdade. Não é mais o mesmo estádio de antes; é, isso sim, igual a todos os outros. Perdeu tudo o que o tornava diferente. Você olha, olha, olha... e não consegue reconhecer o que antes existia ali.

ACESSOS 
As tradicionais rampas do Bellini e da Uerj continuam lá. Passaram por uma reforma, mas a essência é a mesma. Em paralelo, foram erguidas novas rampas de acesso para facilitar a entrada e saída dos torcedores. De modo geral, os acessos abaixo de cada setor também ficaram melhores.

A NOVA COBERTURA 
Fiquei, é evidente, do lado onde ficava a torcida do Vasco. Por ali, como se sabe, nunca entrou sol – porque ele batia exatamente do outro lado, na torcida do Flamengo. Acontece que a tal nova cobertura (de um material que eu não sei precisar), tem frestas na sua parte mais baixa e o sol agora vem por trás. É só uma constatação, ok?

NUMERADA
Não há mais divisão lógica entre os setores. Quando o estádio voltar para nós, os torcedores, não vai ficar tão evidente onde começa e termina a arquibancada. Há, isso sim, números e mais números, com uma ordem que eu nem quis compreender. Mas o que se via, antes e mesmo durante o jogo, eram pessoas reclamando com outras pelo lugar marcado, gente se levantando para desocupar as cadeiras e atrocidades do tipo. “The horror, the horror...”

O PÚBLICO 
É o que existe de pior nessa nova fase do Maracanã. Você olha para todos os lados e não consegue reconhecer o público do futebol. Não é apenas uma questão de condição financeira, mas de como as pessoas veem o futebol. É uma gente que não pertence àquele lugar, e isso fica evidente na conduta durante o jogo, no discurso, nas reações, nos mínimos detalhes. É uma gente que vê o futebol como se fosse uma brincadeira. Há os puramente idiotas - são muitos - mas os que realmente incomodam são aqueles que querem aparecer: fazem comentários imbecis, resolvem puxar gritos idiotas, apelam para todo tipo de cretinice.

QUER ROLA, SEU PUTO?
Entra em campo Balotelli. Babacas querem aparecer: "Balotelli viaaadoo!". Por quê? Para fazer graça, só para isso. Na sequência, o mesmo babaca se levanta e puxa o grito: "Ola, ola, ola". Senhores, acreditem: parecia mais "Rola, rola, rola". Tamanha era a animação do imbecil (que depois conclamava para o restante do público: "Vem, vem, vem") que eu não me surpreenderia se fosse isso mesmo. Mas, claro, o viado é o Balotelli. Cena deprimente.

OS CLUBISTAS
Camisas de clubes eram maioria no estádio. Do Flamengo, em especial. Mas SCCP e Palmeiras vinham na sequência, em grande número, mais até que a dos outros clubes cariocas. De tempos em tempos, ouviam-se manifestações clubísticas, do rubro-negro carioca em especial. Houve momentos em que foram entoados alguns cantos tradicionais, logo sufocados pelos rivais. No entanto, o "Mengo" se confundia com o "Mexico" dos hermanos lá de cima. Os gritos em favor da Italia eram mais nítidos.

PROMISCUIDADE
Não havia divisão de torcidas, e então não se tinha um cenário promíscuo, com camisas de clubes rivais lado a lado e uma infinidade de uniformes de clubes do exterior e de selecionados os mais diversos.

ORGULHO?
Até que surge algum otário para puxar o indefectível "Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor". Pronto, a derrota está consumada. Nada pode ser tão grotesco.

SEM FOTOS 
Não há fotos, é evidente. Não fiz nenhuma. Seria muito mórbido.

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Por ocasião desse meu texto aqui, tudo o que eu sabia sobre o "novo" Maracanã se devia ao relato de amigos e às imagens. Agora que vi tudo com meus próprios olhos, preciso concluir assim:

O Maracanã vai receber mais dois jogos da Copa das Confederações e depois outros seis da Copa do Mundo (procede a informação?). Durante o próximo ano, portanto, ele será entregue a esta entidade nefasta que é a Fifa e a este público de auditório que o tomou de assalto. Não adianta muito lutar contra isso, ao menos não agora. Ao final disso tudo, no entanto, o que restou do Maracanã será devolvido a quem de direito, ao torcedor de futebol, e então é questão de tempo para que ele seja reconstruído (ao menos sob o ponto de vista da moral e dos costumes a ele pertencentes). O primeiro Vasco x Flamengo haverá de restabelecer a ordem vigente, das torcidas entrando cada qual pela sua rampa e ficando cada qual de seu lado, das faixas sendo penduradas, dos torcedores em pé e onde bem entenderem e assim por diante.

14 junho 2013

Consciência de classe (agora sim!)

Daí então que vem o Impedimento e faz a devida contextualização: porque isso tudo que aí está, senhores, guarda relação também com todo esse nojento processo de higienização e repressão que tem no futebol um de seus pontos focais. Porque o futebol é, por definição, um elemento representativo da cultura popular – e é isso que os canalhas vêm tentando dizimar dia após dia. Sabem o que é “popular”? É o oposto do que vem pregando a corja que pretende se apossar do esporte (Fifa, CBF, Globo, empresários, políticos, dirigentes salafrários, marqueteiros e demais cúmplices). E isso tudo não vem de agora, e não é pouca coisa. É o assassinato do Maracanã, é a proibição do tropeiro do Mineirão, é a restrição ao acarajé na Fonte Nova, é o Kassab acabando com as barracas de pernil nos estádios de SP, é a imposição de um jeito de “torcer” que colide com a nossa cultura, é o maldito Valcke, é o Marin justificando o título de cidadão paulistano para o Blatter, são as cadeiras numeradas, é o “Padrão Fifa”, é o código de conduta que eles inventaram, é a criação de símbolos artificiais, é a Lei Geral da Copa, é a nossa cultura sendo depredada, é o povo que não pode mais ir às canchas, é o “não pode mais fumar no estádio”, é o “não pode xingar”, são os tribunais interferindo onde não devem, são os putos que tentam transformar a paixão popular em “negócio”, é o Choque, é a prevalência do senso comum rasteiro, são as organizadas sendo proibidas sem motivo, são os horários absurdos, é a Ana Maria Braga querendo falar sobre arquibancada, é a morte da seleção brasileira, é todo esse processo de domesticação do púbico. Não há de ser coincidência que isso tudo aconteça às vésperas do balão de ensaio para o evento que, dentro de um ano, se apresenta como atestado de óbito do futebol brasileiro. E, vejam, o que tivemos ontem não se tratou de uma “noite de caos”; são décadas em que torcedores de futebol sofremos com os mandos e desmandos dos bravos, valorosos e destemidos homens do Choque. Não à toa, portanto, as organizadas entram na parada (o FotoTorcida pode atestar). Juntas. Sem clubismo. Sem confrontos. Porque pode surgir disso tudo a consciência de classe que tanta falta fez nesses anos em que o futebol vem sendo assassinado em praça pública.

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_O "(agora sim!)" do título remete a um post ainda deste ano, que clamava por essa "consciência de classe" que nunca tivemos. Tá aqui.

_Para todos que não frequentam estádios: entendem agora o que passamos os torcedores de futebol no embate contra os bravos, valorosos e destemidos homens do Choque? Pois é o seguinte: se o Choque está de um lado, eu fico do outro.

13 junho 2013

"Fim do jejum, Início da lenda!"















O que escrevo a seguir não tem necessariamente relação com o fato de ser o Galuppo meu grande amigo, irmão e padrinho. Nem com a boa relação que tenho com o Mauro Beting. Tampouco por ser Evair quem ele é. Porque, ainda que isso tudo seja verdade, ainda mais verdade é que os três se juntaram para entregar uma obra-prima para a biblioteca de todo e qualquer palestrino.

“Fim do jejum, Início da lenda!” é daqueles livros que você devora em curto espaço de tempo, porque capturado pelas histórias ali contadas, que nos remetem a momentos inesquecíveis. Foi assim comigo: estive ontem no lançamento oficial, sai com meu exemplar autografado e, na primeira oportunidade que tive, madrugada adentro, li tudo, do início ao fim.

Ao contrário do que eu pensava antes de tê-lo em mãos, o livro tem o mérito de resgatar histórias de cada um dos 38 jogos que nos conduziram ao 12 de junho de 1993. Mais que isso até: estão lá, entremeados, os jogos da Copa do Brasil daquele ano e mais alguns necessários relatos sobre a chegada de Evair ao Palestra Italia (como moeda de troca em negociação com a Atalanta) e sobre o absurdo afastamento em 1992. Tudo, claro, sob a ótica do "Matador que nos deu a vida" (essa é do Beting).

Além da belíssima e inspirada capa, o livro é de um apuro visual raras vezes visto. Seja pela diagramação, pela divisão dos temas, pelas fontes escolhidos, pela identidade que se faz presente do início ao fim, pelos mínimos detalhes. Coisa fina.

A leitura flui por nos transportar para momentos felizes de nossas vidas (da adolescência para mim, da infância para alguns, de fases mais maduras para outros). Ouso dizer que 1993 é tão maior que tudo que faz sentido mesmo para os que nem eram nascidos à época.

De minha parte, digo que há um pouco de frustração porque não vivi aquela época exatamente do jeito a que me acostumei pelas duas décadas seguintes. Porque era ainda muito novo, 12 anos, e o gosto pelo futebol e pela arquibancada não foi exatamente algo que eu herdei do meu pai. Portanto, as idas ao estádio naqueles primeiros anos da adolescência eram eventuais. De toda a campanha de 1993, por exemplo, estive em apenas um jogo (o 2-1 contra a Portuguesa); todos os demais eu senti de casa, pelo rádio, tendo a companhia de José Silvério, Milton Neves e outros mais.

Não estive no Morumbi no 12 de junho de 1993. Sim, é uma frustração da qual eu nunca vou me livrar, mas, vendo hoje as crianças de 12 anos, entendo que não seria possível ir ao estádio sozinho. Mas, isso passado e quase 800 jogos no estádio depois, é como se tivesse vivido nas arquibancadas de todo o estado cada minuto daquele ano inesquecível.

Lendo o que escreveram Beting, Evair e Galuppo (e da forma como escreveram), fica muito fácil me sentir no Palestra, no Pacaembu, no Morumbi, no Brinco de Ouro, no Moisés Lucarelli, em Bauru, em Araras, em qualquer das canchas do interior que eu tão bem conheço.

Consigo ouvir o barulho de cada gol, os gritos de incentivo que vinham de todos os lados, mesmo as ofensas da torcida ao Otacilio naquela noite em que perdemos para o Mogi Mirim o jogo, o técnico e o centroavante - talvez porque os protestos tenham se tornado tão comuns desde então, é como se eu conseguisse ouvir os sons e sentir o clima daquela noite como se fosse ontem.

É como se, ao tomar contato com a narrativa em primeira pessoa de Evair, eu conseguisse reproduzir cada um de seus 18 gols - e todos os outros que nos levaram ao título. É como se tivesse visto cada um a partir da arquibancada, é como se tivesse tomado o Pompéia 478P todas as vezes em que o Palestra lotou para ver aquele time mágico ir a campo, é como se tivesse pegado a estrada (numa época em que ainda nem sonhava em dirigir) para viajar a cada uma das cidades que tiveram o privilégio de ver o Palmeiras de 1993 em campo.

"Fim do jejum, Início da lenda!” é, enfim, uma obra primorosa. E, nesses tempos tão sombrios, carrancudos e de tanto desalento, faz todo palmeirense acreditar que os tempos gloriosos podem voltar.

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Onde comprar o livro: por se tratar de um lançamento, em qualquer livraria - ou pela internet. E possivelmente em mais algumas sessões de autógrafo com Evair, Beting e Galuppo. Não deixem de fazer isso.

12 junho 2013

Há 20 anos...














Lá se vão longos 20 anos. Parece até que foi ontem, muitos haverão de dizer. E se ainda hoje a torcida canta que “em 93, nós ganhamos o Paulistão...”, não é necessariamente pelo apelo de um título paulista, mas sim por tudo o que representou aquela gloriosa goleada de “4 a 0 pro Verdão”. Não só a vitória derradeira, mas toda a campanha que nos permitiu fazer do 12 de junho de 1993 um marco na história alviverde. E hoje, exatas duas décadas transcorridas desde a tarde/noite em que São Paulo o Brasil o mundo parou para ver Evair rolar a bola, mansa e obediente, rumo ao fundo do gol, é hora de relembrar a trajetória única daquele time inesquecível.

Para os muito jovens, um Campeonato Paulista pode nem parecer assim tão importante. Mas era. E foi ainda mais em 1993, o ano em que El Matador nos libertou das agruras de 16 anos sem título.

Antes mesmo da campanha, faz-se necessário um breve enunciado sobre a conjuntura daquele início dos anos 1990. Para não cair no risco de um texto muito longo, vou resumir os elementos mais importantes em tópicos:

-O Palmeiras caminhava para 17 anos sem títulos (desde 1976), com um vice brasileiro (1978) e dois vices paulistas (1986 e 1992) na conta, além de inúmeros insucessos nesse período. Via de regra, os times eram ruins mesmo (mas não tão fracos quanto o atual) e perdiam para rivais mais qualificados. É possível, no entanto, identificar aqui e ali indícios da estranha predileção que se acentuaria a partir dos anos 2000: o gosto pelas derrotas vexatórias, inexplicáveis e inacreditáveis dentro de casa. Foi assim no vice paulista de 1986 (derrota para a Inter de Limeira no Morumbi) e nas eliminações consumadas contra XV de Jaú (1985), Bragantino (1989) e Ferroviária (1990).

-A Parmalat chegara ao clube em 1992, com um então inédito projeto de cogestão do futebol. O começo foi polêmico (com a alteração no uniforme, com as listras e um verde mais claro). No primeiro ano, o investimento foi modesto, com as chegadas de Zinho e Mazinho. Veio o vice-campeonato paulista, diante de um SPFC que era muito mais time. Para o ano da glória de 1993, no entanto, a empresa abriu os cofres: foi buscar Edmundo no Vasco, Edílson no Guarani, Antônio Carlos no Albacete (Espanha) e Roberto Carlos no União São João. Os nomes impressionam, mas é bom lembrar que nenhum deles, à exceção de Antônio Carlos, era assim tão conhecido no mercado. Todos estavam em início de carreira e mostraram ser apostas certeiras. O grande Cléber só seria contratado no segundo semestre daquele ano, para o Brasileiro.

-O referido vice na final paulista de 1992 contra o SPFC estava ainda muito vivo na memória quando começou o torneio de 1993. Afinal, foi de um ano para o outro se deu a transição no calendário do futebol brasileiro: antes o Brasileiro era disputado no primeiro semestre e os estaduais, no segundo. Houve uma inversão na virada dos anos e a consequência é que praticamente foram emendadas duas edições seguidas do Paulistão: o de 1992 terminou já no final de dezembro e a de 1993 teve início já em janeiro.

-Vivíamos ainda um surto de inflação, um ano antes do Plano Real, o que explica a renda do duelo decisivo contra o SCCP: Cr$ 18.154.000.000,00.

-Velloso começou no gol, mas se machucou logo no início e abriu espaço para Sérgio, que foi o camisa 1 até o fim da campanha.

-Mazinho, por sua vez, começou como segundo volante (era o camisa 8), mas acabou passando para a lateral-direita no meio da disputa – uma vez que João Luís teve desempenho fraquíssimo. 

-Em sendo assim, eis aqui o nosso time-base: Sérgio; Mazinho, Antônio Carlos, Tonhão e Roberto Carlos; Sampaio, Daniel Frasson, Edílson e Zinho; Edmundo e Evair.

-Os técnicos foram: Otacílio Gonçalves (23 jogos), Raul Pratali (1 jogo) e W(V)anderley(i) Luxemburgo (14 jogos).

-Outros jogadores que entravam bastante no time: Amaral (que jogou mais até que Daniel Frasson), Claudio, Sorato, Maurílio, Jean Carlo, Edinho, Soares, Alexandre Rosa, Jefferson e Paulo Sérgio (autor do primeiro gol da era Parmalat).

-Os árbitros mais comuns: Oscar Roberto Godói, Edmundo Lima Filho, Antônio de Pádua Sales, Dionisio Roberto Domingos, Dagoberto Teixeira, João Paulo Araújo, José Aparecido de Oliveira, Dalmo Bozzano e Silas Santana. Dificilmente fugia desses.


Isso posto, vamos aos jogos, com comentários ao final de cada etapa:

1ª fase, turno
Palmeiras 2-1 Marília – 27.516 - vídeo
XV de Piracicaba 0-2 Palmeiras – 13.304
Palmeiras 2-2 Rio Branco – 21.415
Santos 1-3 Palmeiras – 39.245 - vídeo
Palmeiras 2-2 Ponte Preta – 19.911
Palmeiras 2-0 SCCP – 35.959 - vídeo
Mogi Mirim 2-2 Palmeiras – 10.268
Palmeiras 1-1 União São João – 16.912
Portuguesa 0-4 Palmeiras – 29.954
Ituano 1-3 Palmeiras – 8.752 - vídeo
Guarani 1-3 Palmeiras – 28.741 - vídeo
Bragantino 1-0 Palmeiras – 10.933 - vídeo
Palmeiras 4-1 Juventus – 15.222 - vídeo
Palmeiras 0-0 SPFC – 96.340
Noroeste 0-0 Palmeiras – 14.530


A estreia, contra o Marília, teve contornos de espetáculo. Afinal, era a estreia de todos os reforços da temporada. O Palmeiras saiu atrás aos 2 minutos, mas foi buscar a virada (com gols de Sampaio e Evair). Não foi uma exibição magistral, mas foi o princípio de tudo, diante de 27.516 pagantes. A seguir, boas vitórias (em especial o 3-1 contra o Santos no Morumbi) vieram acompanhadas de empates decepcionantes em casa (2-2 contra Rio Branco e Ponte Preta e 1-1 contra o União São João). Já se percebia todo o potencial daquela equipe, mas ainda faltava engatar uma sequência de bons resultados.

O 4-0 contra a Portuguesa (no Pacaembu) marcou o auge técnico daquele time, ao mesmo tempo em que evidenciou os problemas de relacionamento. Os gols foram marcados exatamente pelos quatro homens de frente: Edmundo, Edílson, Evair e Zinho. O gol de Edmundo, por sinal, foi daqueles antológicos. Insatisfeito com a substituição no segundo tempo, o Animal deixou o campo antes mesmo da entrada de Jean Carlo, gerando enorme polêmica. Durante a partida, Evair e Edílson se ofenderam algumas vezes; o camisa 9 xingava o 10 de "moleque". Em suma: era um caldeirão de vaidades, mas o time era tão bom que até isso ficava em segundo plano. Sobre esse jogo específico, vale conferir todas as quatro páginas da cobertura da Folha de S.Paulo do dia seguinte.

Vieram então mais duas vitórias no interior (um duplo 3-1 em Itu e em Campinas) até a primeira derrota, em Bragança (0-1). A bem da verdade, o incômodo foi maior por trazer à tona as lembranças de insucessos anteriores contra um clube que era então considerado uma pedra no nosso caminho. Depois o Palestra emendou um 4-1 no Juventus e dois empates sem gols (um deles diante de 96 mil pessoas em clássico contra o SPFC).

1ª fase, returno
Juventus 2-1 Palmeiras – 18.166 - vídeo
Palmeiras 2-0 Bragantino – 5.872 - vídeo
Marília 1-3 Palmeiras – 10.481
Palmeiras 1-0 Noroeste – 17.284
Palmeiras 2-1 Santos – 36.269 - vídeo
Ponte Preta 0-1 Palmeiras – 5.046 - vídeo
Palmeiras 2-1 Portuguesa – 22.336 - vídeo
Palmeiras 1-2 Mogi Mirim – 14.670 - vídeo
SPFC 2-0 Palmeiras – 51.319
Rio Branco 1-2 Palmeiras – 12.583
Palmeiras 2-0 Ituano – 24.467
Palmeiras 3-0 Guarani – 10.366
SCCP 3-0 Palmeiras – 90.357 - vídeo
União São João 0-1 Palmeiras – 19.034 - vídeo
Palmeiras 2-1 XV de Piracicaba – 6.772 - vídeo


O returno reservou uma crise, a demissão do treinador que dera início à trajetória e a chegada de Luxemburgo. A pressão sobre Otacilio Gonçalves, que já era grande desde o início do ano, se acirrou após uma derrota em casa (1-2) para o Mogi Mirim. O Chapinha não resistiu. Para seu lugar, chegou um nome que era então apenas uma promessa.

O time ainda perderia os clássicos para SPFC e SCCP, mas o ótimo desempenho no turno e as 11 vitórias em 15 jogos no returno garantiram a classificação com enorme tranquilidade.

Vale observar o seguinte: se o primeiro turno ficou marcado por alguns tropeços aqui e ali (foram 6 empates, 3 deles contra times pequenos no Palestra), o returno teve apenas vitórias ou derrotas (11 contra 4). Na somatória de tudo, no entanto, cada turno contribuiu com 22 pontos.

A primeira fase terminou com a seguinte classificação:

1. Palmeiras - 44 (30-19-6-5-53-27)
2. SPFC - 39
3. SCCP - 39
4. Santos - 39
5. Guarani - 36
6. Rio Branco - 36

Da segunda divisão do Paulista, vieram Novorizontino (36) e Ferroviária (36) - esse artifício foi bastante comum nos anos 1990, permitindo, por exemplo, que o SPFC disputasse a série inferior e fosse campeão no mesmo ano, em 1991.

Não me perguntem por que cazzo, mas o regulamento previu a divisão desses oito clubes não no formato tradicional (1-4-5-8 de um lado e 2-3-6-7 do outro), mas sim com o 1º enfrentando o 5º, o 6º e o segundo colocado que veio do grupo inferior.

Em sendo assim, SCCP, SPFC e SFC ficaram em uma chave, enquanto o alviverde se deparou com três clubes do interior. Mais até: por ser o time de melhor campanha na fase classificatória, entrou na disputa com um ponto de bonificação. Daí que tivemos isso aqui:

2ª fase (quadrangular final)
Palmeiras 6-1 Rio Branco – 21.377 - vídeo
Guarani 0-2 Palmeiras – 16.890
Ferroviária 0-1 Palmeiras – 18.051 - vídeo
Palmeiras 1-0 Guarani – 20.602
Rio Branco 0-1 Palmeiras – 15.567
Palmeiras 4-1 Ferroviária – 15.003


Foi um passeio. Não contente com o bônus, o Palmeiras venceu os seis jogos, sofrendo apenas dois gols (no primeiro e no último jogo, exatamente aqueles em que marcou seis e quatro vezes, respectivamente). Merecem destaque a goleada na estreia, contra um então bom Rio Branco, e o 1-0 em Araraquara, em tarde de Edmundo.

Do lado de lá, passou o SCCP: 9 pontos contra 8 do SPFC.

Final
SCCP 1-0 Palmeiras – 93.736 - vídeo
Palmeiras 4-0 SCCP – 104.401 - vídeo

Aqui, senhores, creio que nem devo avançar muito nos relatos sobre as duas partidas, uma vez que há incontáveis versões da história, muitas delas a partir dos próprios protagonistas daquela data histórica. O melhor deles, claro, vem do livro que vai ser lançado neste dia 12, com história contada por Fernando Galuppo e Mauro Beting.

Creio apenas que é válido fazer o registro abaixo e depois indicar alguns vídeos complementares do 12 de junho de 1993:

Até a final, o Palmeiras fez 62 pontos nas duas fases (classificatória e de grupos); o SCCP fez 48 pontos pontos nas mesmíssimas condições. No primeiro jogo, o SCCP venceu por 1-0; na volta, o Palmeiras enfiou um categórico 3-0. Resolvido, não? Que nada; o regulamento pedia ainda uma inusitada prorrogação, que poderia, com um único gol, desmontar toda a campanha alviverde. Ou seja: o título poderia ficar com o SCCP mesmo com uma derrota por 1-3.

De resto, senhores, o 4-0 final fala por si próprio, e eu seria incapaz de acrescentar algo relevante. Deixo-os, no entanto, com a efusiva recomendação para o livro que melhor vai contar essa história toda:

























-Fiori Gigliotti narra o 2º gol. Nem foi o mais importante daquela tarde/noite, mas o fato de trazer toda a jogada na voz de Fiori faz enorme diferença. De quebra, reparem nas imagens e no barulho da torcida - e nas vinhetas da época. Que coisa linda...

-Osmar Santos na TV Manchete.

-José Silvério, o insuperável. Repito: insuperável. Silvério, narrador tecnicamente perfeito, vivia o seu auge. Um monstro.

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Como vocês podem perceber, há muitos jogos aí que já vem acompanhados dos respectivos vídeos (que eu encontrei em exaustivas buscas no YouTube). Mas a maioria não tem esse recurso. Peço aos senhores, por favor, que me avisem se conseguirem identificar mais algum vídeo de qualquer das partidas acima citadas. Aí eu já acrescento ao post, sempre no espírito colaborativo.

11 junho 2013

Sobre jornalismo e arquibancada

Morreu mais um torcedor na Argentina. Desta vez do Lanús, em jogo disputada em La Plata, contra o Estudiantes. A imprensa brasileira, a exemplo do que faz por ocasião de ocorrências semelhantes neste incauto país, lança em desavisada manchete: “Briga de torcidas deixa um morto na Argentina”. Claro, estamos falando de gente que ou não vai a estádios ou o faz sem efetivamente conhecer a dinâmica das torcidas e da arquibancada. Daí então que se toma como verdade algo que não é; coloca-se a culpa das torcidas sem um mínimo de preocupação em entender o que aconteceu de fato.

Pois então é o caso de abrir espaço para o pronunciamento de Gustabo Grabia, jornalista do Olé e autor de um dos melhores livros já escritos sobre torcidas organizadas (La Doce, sobre a barra do Boca). Porque, longe da superficialidade que pauta a conduta da imprensa esportiva no Brasil, o relato de Grabia, que conhece o universo das barras locais como ninguém mais, aponta para o seguinte: o torcedor do Lanús foi assassinado pelos homens que deveriam proteger o público. Daí o título de seu artigo, impensável por essas terras:

























Por aqui, senhores, a coisa ocorre bem ao contrário. A PM de Presidente Prudente, por exemplo, baleou um palmeirense em 2011 e a coisa ficou por isso mesmo; a imprensa, por sinal, colocou toda a responsabilidade sobre a organizada (a Mancha foi punida por muito tempo) e sequer mencionou a imprudência dos bravos, valorosos e destemidos homens do Choque.

Vai daí a diferença entre um país e outro, e então eu faço questão de reproduzir o texto do Grabia na íntegra:

Maldita Policía

De un balazo en el pecho, la Bonaerense asesinó a un hincha de Lanús que estaba intentando separar una pelea entre barras y uniformados. Así, el fútbol se muere. 

Ir a la cancha y perder la vida. Que te mate el que te tiene que cuidar. Que todo empiece por una discusión sin sentido y termine con un itakazo disparado desde 60 centímetros, que te abre el pecho de par en par. Que salvo ese partido, piadosamente suspendido en el entretiempo, la fecha se siga jugando como si nada hubiese ocurrido. El fútbol argentino tocó fondo hace tiempo, pero todos miran para otro lado. Los que manejan el negocio, los dirigentes, el gobierno, los organismos de seguridad y los propios hinchas hablarán un par de días del tema y el fin de semana se olvidarán, y la tapa será el título de Newell’s o River, el descenso de Independiente o lo que usted quiera imaginar. Hasta que otra muerte nos enlute otra vez. Ayer, la víctima fue Daniel Santiago Jerez, 42 años, hombre prominente de la Subcomisión del Hincha de Lanús y nexo de ésta con la barra brava. Allí se lo conocía como el Zurdo. Alguna vez estuvo en picantes peleas de la popular. Ayer fue a separar el lío entre La 14 y la Policía, que estaba estallando en la calle. Y recibió un balazo de goma a distancia fatal. Hoy su familia lo llora. El fútbol también, hasta mañana, cuando lo vuelva a olvidar. 

La sensación de que la tarde iba a ser complicada empezó antes del comienzo del partido. Lanús llegaba a La Plata con la chance de ser puntero y la barra dijo presente con más de 300 miembros, que viajaron desde Arias y Guidi en seis micros. Pero a unas cuadras del Unico, la Bonaerense los hizo bajar a todos. Se respiraba un ambiente tenso, como buscando algún tipo de respuesta de los violentos para justificar la represión. Pero la barra de Lanús mantuvo la calma. 200 metros antes del ingreso, la Policía dividió en dos grupos a La 14. A diferencia de lo que se intentó instalar desde La Plata, todos tenían su entrada en regla. El primero ingresó. El segundo lo hizo cinco minutos después con las banderas, pero a la primera línea de 20 miembros, que siempre entra última, la retuvieron. Y de a poco, la Infantería y los efectivos de la motorizada comenzaron a rodearlos. Nadie entendía muy bien qué pasaba. Algunos intentaron darle un tinte político. Es más, se especuló con una interna porque la barra de Lanús, decían, era kirchnerista. Ese dato es muy viejo: La 14 juega ahora para Nicolás Russo, candidato a intendente por el PJ disidente que sigue a Sergio Massa. Es más, el Zurdo Jerez mueve gente del sindicato de Camioneros a favor del PJ. 

Así las cosas, Diego Fanfi Goncebatte, líder de la barra, pidió calma a los suyos e intentó mediar hablando con el jefe de la Distrital La Plata, el comisario Domsky. Como respuesta recibió un palazo en la cabeza de un efectivo que se movilizaba en moto. Fue el comienzo del fin. En el piso, se acercaron más policías para reprimirlo y la primera línea de la barra fue en su ayuda. Piedras de un lado, balazos de goma del otro, todo era un pandemonium. El grupo que estaba adentro quiso salir a ver qué pasaba. El Zurdo Jerez los lideraba. Pero según testigos directos, su actitud era de las más pacíficas. Los policías que estaban en la rampa de ingreso empezaron a reprimirlos y el Zurdo intentó parar todo. No tuvo chance: uno de los tres efectivos que lideraron la represión dentro del Unico, le disparó directamente al pecho. Y eso queda clarísimo en los videos que la Aprevide entregó a la Justicia para esclarecer el crimen. Y aunque la ambulancia llegó rápido, el Zurdo falleció en viaje al hospital de Gonnet. 

Apenas llegó la información al Unico, todos temieron por una revuelta Granate. Pero la barra decidió, sensata y afortunadamente, que la protesta sería en paz: les pidieron a todos los hinchas que los acompañaran en la retirada. De hecho, sólo hubo un detenido y fue por lo que pasó antes y afuera del estadio: se trataba del Tongas, el número tres de la barra, que recuperó su libertad dos horas después porque, como todo Lanús, había sido damnificado. 

Cuando el dato de lo ocurrido llegó al vestuario, el partido se suspendió. Una hora después, el ministro de Seguridad bonaerense, Ricardo Casal, tiraba por la borda el intento policial de instalar una interna de la barra y confirmaba que uno de sus subordinados había sido el autor del crimen y puso a disposición de la fiscal, Ana Medina, los videos del hecho. Ahí se ordenó la detención de tres uniformados: los capitanes Roberto Lezcano y Víctor Bacuco, y el teniente primero Jorge López. Uno de ellos fue quien disparó. Al cierre de esta edición, estaban a punto de ser capturados. En tanto, la familia de Jerez hacía los trámites para velar al Zurdo. Que fue a la cancha a ver un partido, y terminó asesinado.

10 junho 2013

"Os argentinos"

























Se o último livro indicado por aqui não era propriamente sobre futebol, este definitivamente não o é. Como o nome indica, é uma obra sobre os argentinos. Com direito a tudo o que diz respeito a este povo: história, política, cultura, tango, vinhos, carne, economia, religião, manias, hábitos, mitos, heróis populares, excentricidades... E, claro, futebol. Melhor dizendo: fúlbol.

A indicação que eu faço agora tem motivações óbvias (qualquer leitor mais atento haverá de saber que eu nasci no país errado) e, por isso, eu me permito fugir da premissa básica da série.

Ariel Palacios, argentino radicado no Brasil, cumpre bem a missão de apresentar todas as peculiaridades dos nossos vizinhos (mais detidamente os de Buenos Aires, com menos espaço para o restante do país). Para ser bem sincero, no entanto, o capítulo sobre futebol é decepcionante: há muito de Boca, River e Maradona, um pouco da paixão popular e quase nada sobre os outros muitos clubes que fazem o futebol na Argentina ser o que é.

Com espaço limitado e abordagem um tanto burocrática desta temática, o livro não consegue traduzir a representatividade do futebol para os argentinos - em especial aqueles que vivem o futebol nas dezenas de canchas de Buenos Aires, por exemplo.

Apesar disso, deixo aqui a recomendação. Em especial porque todo o resto faz enorme sentido. E é, para quem gosta do país, uma ótima maneira de entender um pouco mais dos nossos vizinhos.

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Onde comprar: recém-lançado, o livro pode ser encontrado em qualquer livraria. Em algumas, ocupa posição de destaque, na prateleira de lançamentos. Em outras, é preciso procurar um pouco mais: pode estar em História, em Geografia, em Sociologia. Porque, a bem da verdade, tem isso tudo e mais um pouco. Custa R$ 49,90.

09 junho 2013

Os fantasmas de 2003



















Quando Edmílson empurrou a bola para a rede em Garanhuns em uma noite de sábado de novembro de 2003, parecíamos ter nos despedido de uma vez por todas de um ano que não deveria ter existido. Foi assim que pensamos à época, mas a redenção sacramentada no sertão de Pernambuco não se fez assim tão plena nos anos seguintes. Vieram fracassos retumbantes, derrotas improváveis e, o pior de tudo, uma nova visita ao inferno da Série B. Pois que isso tudo só se faz assim porque seguiu o gigante alviverde imponente à mercê dos mandos e desmandos de dirigentes ora mal intencionados, ora inaptos, ora imbecis mesmo.

Como se pouco fosse - não, não é -, somos obrigados ainda a conviver com antigos fantasmas, falhas recorrentes e absurdos todos que parecem ter uma predileção especial por aparecer na nossa vida.

Daí então que o nosso arremedo de time até consegue se portar bem em um pântano lamacento (e eu vos digo que o campo já estava daquele jeito antes do apito inicial, sem que tenha chovido para tanto em Recife), cria oportunidades e faz até por merecer sorte melhor, para, já com o jogo nos descontos, sofrer um gol daqueles que só poderia mesmo se dar contra o Palmeiras...

Porque se não bastasse o primeiro "erro" da arbitragem (o do escanteio que não existiu), tivemos ainda uma falha grotesca do nosso goleiro (porque, cidadão, você espalmou a bola para o meio da área?) e, para completar, a bola sendo dominada com a mão alguns passos à frente do árbitro. Tudo em um lance só.

Para piorar, senhores, estávamos na (para nós sempre inóspita) Ilha do Retiro... bom, já não é o bastante, não?

Não, não é. Porque aí um amigo me manda uma mensagem no celular e eu descubro que o maldito que fez o gol do Sport é simplesmente aquele que surgiu na nossa vida pela primeira vez em 25 de janeiro de 2003. Não tinha mais como piorar.

Os fantasmas de 2003 voltam todos juntos. O inferno da Série B de novo, esses confrontos contra o Sport (foram cinco há 10 anos), o elemento que passou a perambular pelo país apenas e tão somente para infernizar a nossa vida (lembram daquela vez pelo Bragantino?), os "erros" da arbitragem, o medo de não recuperarmos o que é nosso, os muitos e muitos confrontos desagradáveis que teremos até o final de novembro.

Não foi nada fácil, senhores. Mas o que me parece ainda pior é que ao menos em 2003 nós tínhamos um time (nada espetacular, mas era um time) e uma casa.

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_Sim, todo juiz de futebol é nosso inimigo. Mas é igualmente verdade que, gestão após gestão, nossos dirigentes seguem incapazes de impor respeito e evitar que o Palmeiras seja seguidamente roubado. São igualmente responsáveis pelo prejuízo.

_Posso ter a visão deturpada pela chuva que caiu incessantemente durante todo o primeiro tempo, mas entendo que o time até que se portou bem na etapa final - dentro do permitido pelo gramado e pelas deficiências técnicas todas. E gostei particularmente da pressão feita contra a arbitragem - porque, via de regra, nossos jogadores são pouco combativos quando se trata dessa gente.

05 junho 2013

Chega de austeridade

Como se não bastasse o sacrifício de pegar a estrada para ver esse pretenso time que temos mandado a campo, ainda me sinto no dever de pensar no que escrever sobre o festival de erros que tivemos nesses dois últimos jogos em Itu. E então, senhores, como não há inspiração que resista a tamanha ruindade, não vou abordar nada relacionado a arquibancada, tampouco vou destacar quaisquer detalhes relacionados à torcida, ao estádio ou ao ambiente – nem há muito a ser dito. Um breve parágrafo cumpre o propósito de resumir o que vivemos em Itu nas duas últimas vezes em que a camisa verde (ou branca) foi a campo:

Em respeito a 99 anos de história, à tradição alviverde e ao seu torcedor, a Sociedade Esportiva Palmeiras não pode ser representada por um time tão grotesco e débil quanto este que aí está. Os dirigentes do clube têm o dever de abandonar as frases de efeito (não venham falar em austeridade!) para evitar que o nome do Campeão do Século XX seja desrespeitado jogo após jogo.

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Viajo sexta para Recife. Provavelmente só volto a escrever na volta.

04 junho 2013

Dois velhos amigos e uma carta







Maracanã, meu velho amigo, 

Tenho acompanhado o noticiário desde o início e, portanto, não faz muito sentido perguntar como tem passado. Lamentei desde o primeiro momento, mas não poderia imaginar que as coisas chegariam a esse ponto. Eu bem sei o quanto me toma por arrogante, mas dessa vez mesmo você deve me dar razão. Se não sou ainda centenário como meu nome, estou chegando lá e então me sinto à vontade para fazer agora o papel do senhor de idade que se põe a aconselhar os mais jovens. 

Outro dia vi uma foto sua e não pude reconhecê-lo. O que fizeram de ti? Muitos dos nossos já passaram antes por processos de “modernização” (com o perdão da palavra), mas nenhum parece ter sofrido tanto. Não se tratou apenas de um rejuvenescimento, não foi só a ofensa de te colocarem essas desnecessárias cadeiras coloridas, foi bem mais do que um simples encolhimento. Não se contentaram em mudar sua aparência externa; mexeram por dentro, no âmago, no que te faz distinto de todos os demais – e te tornaram igual a outros tantos. O que fizeram contigo foi o que de pior pode acontecer a um estádio: tomaram sua alma. 

Alma, meu caro amigo, é o que distingue poucos de nós em meio aos milhares de estádios que há por aí. E temos (ou tínhamos), você e eu, muito mais em comum além da alma. Foi aqui, em 1930, que, recém-nascido, vi a Celeste Olímpica vencer a primeira Copa do Mundo. E foi aí, 20 anos e uma Guerra Mundial depois e com você também recém-nascido, que El Negro Jefe, Schiaffino e Ghiggia foram buscar o outro Mundial de que se orgulha o Uruguay. Você pode até não gostar, pois te carimbaram esse tal Maracanazo para todo o sempre, mas isso nos tornava um tanto mais próximos. Tanto quanto o fato de sermos os palcos sagrados do futebol nas Américas – quem haverá de nos desmentir? 


















A verdade, velho Maraca (se me permite a intimidade), é que estou para te escrever há tempos e venho adiando a tarefa, mas não deu para resistir aos acontecimentos mais recentes. 

Não sei se você sabe, mas estou em uma semana das mais agitadas, com jogos decisivos do campeonato nacional e um duelo do nosso selecionado contra a França. Nesses jogos todos, a rotina é a mesma de sempre: o povo se fez presente, cada torcedor fica (em pé ou sentado) no lugar que bem entende, bandeiras se agitam, faixas são penduradas, camisas tradicionais sobem para o gramado, ouve-se o alento das hinchadas de lado a lado, ofensas são proferidas sem muito critério, papéis picados se fazem atirar, vende-se café, choripans, churros e hamburguesas, Montevideo vive o futebol que nós dois tão bem conhecemos. 

Gente de todo tipo dá as caras por aqui. Minhas velhas, históricas e desgastadas tribunas recebem o povo semana após semana. 

POVO. Você ainda se lembra do significado dessa palavra? 

Novamente fazendo uso da prerrogativa de um idoso de 83 anos que aconselha um ex-senhor de 63, te digo que é algo bem distinto dessa gente que te tomou de assalto de uns anos para cá. A verdade, meu bom amigo, é que te dilaceraram por completo apenas para que burocratas falassem em seu nome e pudessem cobrar os impropérios de agora (vi e me assustei com os preços dos ingressos). Não contentes com a extorsão praticada, ainda querem domesticar o público, submetendo quem te visita a absurdas cadeirinhas numeradas e querendo impor o jeito como se torce. Aliás, me recuso a chamar de “torcer” o que se tem feito por aí nesses tempos tão sombrios. 

Por aqui, eu admito, as velhas arquibancadas que viram a primeira Copa andam precisando de reparos, as cicatrizes já se fazem notar além do aceitável e há evidentes sinais de cansaço. Não vou negar que alguns cuidados seriam bem-vindos, mas não pode ser nada como o que fizeram contigo. Porque, em que pesem todos os problemas que vêm com o tempo, ainda se vive a história do futebol nessa zona central da velha Montevideo. E minhas tribunas ainda se chamam Olimpica, Amsterdam, Colombes e Américas, bem ao contrário das suas, que agora atendem por letras e números que nada dizem. 


















O povo ainda pode, semana após semana, olhar para esta velha cancha e relembrar os grandes esquadrões que por aqui passaram. E minha estrutura não é feita apenas de cimento – que os oportunistas e deslumbrados que te mataram certamente chamariam de ultrapassado –, mas é composta de uma Copa do Mundo, centenas de títulos, incontáveis clássicos e muitas, inesquecíveis e dramáticas noites de Libertadores. Por aqui passaram – e continuarão passando – todos os grandes clubes do continente. 


















Meu conterrâneo Eduardo Galeano, que tanto te respeita, escreveu certa vez que eu “suspirava de nostalgia pelas glórias do futebol uruguayo” e que você “continuava chorando pela derrota de 1950”. Pois a primeira parte continua verdadeira – o saudosismo me precede –, mas te fizeram esquecer à força as memórias (boas e ruins) das últimas seis décadas. Não apenas te tomaram essas lembranças todas, mas afastaram de ti a gente que o fazia ser o mundialmente famoso Maracanã. 

(Outro dia, velho amigo, escutei que se cogita uma candidatura do Uruguay para sede da Copa de 2030. Pois eu desejo que isso nunca aconteça. Não quero ter o mesmo destino que impuseram a ti.) 

E sim, fiquei sabendo do vexame que você passou com o quase cancelamento do jogo entre o país que inventou o futebol e o que se diz "o país do futebol". Sabe, meu velho, você vai me perdoar, mas isso até que viria a calhar. Porque um vendeu a alma faz tempo, afastando o povo das canchas, e o outro tem seguido pelo mesmo caminho, mas de um jeito muito mais vergonhoso. E eu sinceramente prefiro guardar de ti a imagem que adorna o Museo Del Fútbol, aqui no meu interior: um Maracanã grandioso, repleto, popular, liberal ao extremo, sem imposições, malandramente carioca e com o espírito aberto para receber o povo... 


















O futebol, você vai me perdoar uma vez mais, continua a viver mesmo aqui no Uruguay – e, que eles não saibam disso, lá do outro lado do Río de La Plata... 

Saludos, 
Centenario de Montevideo

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Texto originalmente publicado no Impedimento.