100.000 sócios-torcedores, a camisa mais valiosa do Brasil, R$ 2,5 milhões de renda em qualquer joguinho. A "maior contratação da temporada", ingressos a R$ 200, novas modalidades de patrocínio. 19 reforços, ticket médio nas alturas, sorvete Diletto a R$ 10. Liderança no ranking de arrecadação, meta de chegar a 160 mil sócios,
"não há gratuidade no Allianz Parque". Top 10 do mundo, porco inflável, a mentira dos
6.000 lugares "perdidos". Avanti 5 estrelas, omoplata, R$ 700 mil para jogar em casa. Mais renda que os campeonatos Carioca e Mineiro juntos,
“mas o Santos só arrecadou R$ 360 mil no clássico”, ampliação da exposição dos parceiros. R$ 23 milhões para cá,
naming rights para lá, neófitos falando em RGT (
é patético isso...) depois de terem passado os últimos anos dizendo que ela podia fazer o que quisesse por
“pagar caro pelo futebol”.
Números, números, números. Há aí uma nova geração de torcedores que os adora. Mas não os entende. Vê neles um fim e não um meio. Nesse processo doentio, muito se perde.
A lógica financista que tomou conta do Palmeiras a partir de 2013 quase nos rebaixou no ano do centenário (e fomos, como bem lembrado ontem pela insignificante torcida do Santos FC, salvos por um rival); agora, ao que parece, vivemos a fase de
"harvest", para usar um termo muito caro aos rentistas, especuladores e que tais.
Não há como discutir a importância do crescimento das receitas. É louvável que depois de dois anos de ostracismo e compromisso com o erro, a gestão atual tenha catapultado o faturamento do clube a um patamar nunca antes visto. Ok, que se reconheça isso.
O problema todo é que a lógica financista vem alimentando uma geração, toda ela refugiada nas redes sociais, que toma os números como finalidade e não como um meio para obter aquilo que efetivamente importa: um time à altura de nossa história, vitórias (em clássicos e contra outros grandes) e títulos.
A (parte da) torcida que aplaude renda (
eu nunca vou esquecer isso, seus filhos da puta miseráveis!) parece imune à sucessão de maus resultados que o time vem experimentando em clássicos estaduais e nos confrontos contra os outros clubes grandes do país.
"O time está em formação", "estamos em reconstrução", "essas derrotas no começo de campeonato são normais". Poderia parecer só conformismo, mas é o mais puro deslumbramento: não raro, a relativização é apenas o começo; os cifrões virão na sequência.
Deixá-los-ei com outros números, os que valem:
_Na gestão Nobre, o Palmeiras venceu 1 clássico em 15 disputados.
_Pior que isso: dos últimos 23 clássicos, o Palmeiras venceu 1 (este mesmo supracitado). 1 em 23! É, certamente, a pior sequência histórica já vivida por um dos grandes paulistas na somatória dos confrontos contra os outros rivais.
_Desde 2013, a partir do início da gestão Paulo Nobre, o Palmeiras se deparou 31 vezes contra outros times grandes. A campanha é vexatória: 3 vitórias (contra SPFC e Grêmio, como mandante; e Botafogo, como visitante), 9 empates e 19 derrotas. 3-9-19!
_O Palmeiras não vence o SCCP na capital paulista há longos 13 jogos.
_Retrospecto dos últimos 18 clássicos entre Palmeiras e SCCP: 1 vitória do Palmeiras, 8 empates e 9 vitórias do SCCP. A nossa vantagem histórica, que era bastante sólida, se esvaiu.
_Contra o SPFC, o Palmeiras amarga um tabu que parece infindável: são 13 anos e 21 jogos sem vitória no Morumbi. Para contrastar com isso, temos o SCCP ostentando uma marca oposta contra o mesmo SPFC: 13 partidas de invencibilidade como visitante.
_Contra o Santos, contra o qual temos vantagem até fora de casa, conquistamos apenas uma vitória nos últimos nove duelos.
_Ante o Fluminense, notório saco de pancadas nosso em SP ou no Rio, acumulamos uma sequência impressionante: um empate e sete derrotas nos últimos oito confrontos.
_Contra o Atlético/MG, cujo histórico nos dá vantagem mesmo nos jogos no Mineirão, chegamos ao fundo do poço: sete derrotas (quase todas inapeláveis) nos últimos sete encontros.
Eu poderia aqui listar mais algumas sequências catastróficas, mas imagino que todos já tenham captado a ideia.
Para a imensa maioria dos 100.000 sócios-torcedores, pode ser que nada disso tenha muita importância. Pode ser que não se sintam assim tão incomodados com as derrotas em série, com os números de nossa história sendo solapados por atuações débeis e covardes, com um gigante virando motivo de piadas para torcidas as mais insignificantes. Logo alguém haverá de lembrar que lideramos o ranking de renda, que temos uma marca notável no aumento de sócios-torcedores, que a camisa alviverde é a “mais valiosa” do país etc.
Entretanto, a derrota tem efeitos insuportáveis - não pela derrota em si, mas pelo contexto em que ela está inserida - para os 700 torcedores que ontem estivemos na Vila e para todos aqueles que não sucumbiram a essa inversão de valores.
Para a geração $, não deve fazer muita diferença o resultado em campo; valem os cifrões. Importante é comparar os
"míseros" R$ 360 mil da renda do Santos FC aos R$ 2 milhões de bilheteria que teremos no próximo domingo. O Palmeiras perdeu mais um clássico? Ah, não tem problema; vamos aí publicar um
meme no Face porque domingo é dia de fazer uma
selfie no estádio novo e dar um jeitinho de aparecer no telão
widescreen de alta definição –
“é o maior do Brasil, sabiam?”. É meio que
isso aqui:
“Hoje em dia, os torcedores buscam uma experiência que vá além do futebol. Eles querem uma vivência inovadora e empolgante, mas que também traga conforto e comodidade, que seja algo agradável para todos os públicos. Por isso buscamos oferecer serviços diferenciados e com alto padrão de qualidade, atrelando entretenimento e culinária ao futebol".
É...
Enquanto os deslumbrados das redes sociais vomitam atrocidades, fomos os 700, muitos dos quais excluídos do novo estádio por uma política de preços elitista e desconectada da realidade, que representamos o Palmeiras diante de um rival que antes era batido com enorme facilidade.
Quando o alviverde vai à cancha, não tem
“experiência que vá além do futebol”; tem só o futebol mesmo. Nada de
“vivência inovadora e empolgante”; tem, de novo, só o futebol. Não tem
“conforto”; a verdade é que mal se vê o gol a partir da laje do portão 21. Não tem
“comodidade”; e nem queremos que tenha. E, claro, não há
“serviços diferenciados e com alto padrão de qualidade”; trocamos tudo isso, por favor, por um time com atitude e que volte a fazer do Palmeiras o gigante que sempre foi.
“Entretenimento e culinária atrelados ao futebol”? Não, não, obrigado. Porque, no final da noite, confinados entre o campo e o portão 21 da Vila Belmiro, somos nós, os 700 de sempre, que temos de aguentar uma torcida de primário (aquela das sociais) a cantar aquilo que ainda não conseguem entender aqueles que aplaudiram renda: dentro de campo, o Palmeiras virou uma piada.
Ao final de mais uma jornada fracassada, madrugada adentro, o consolo: não chovia na Baixada. Ao apagar dos refletores, restamos poucos por ali: os 700 de sempre, alguns PMs, as cabines de imprensa ainda iluminadas, a equipe de manutenção desmontando tudo no gramado. O cenário, desolador, só fez reforçar uma convicção: os números e cifrões de que se vangloriam alguns de nada valem enquanto não formos representados por um time capaz de devolver ao Palmeiras a supremacia contra seus rivais.
Finalizo, pois, com uma
citação do Paulo Silva Jr.:
"Não vou contar que já não me surpreendo com militante de naming rights; nem com torcedor de likes no canal do clube na internet; muito menos com quem celebra o aumento do número de parceiros da lanchonente do estádio: neste noite, aplaudiram a renda do jogo. E isso sim vai ser difícil de esquecer."
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Inspirações para este post:
Arena e o Teatro da Imposição, do Leandro Iamin
Futebol, Século II, do Paulo Júnior