02 junho 2014

A vida é mata-mata!

Italia 0 x 1 Inglaterra 
Uruguay 0 x 0 Costa Rica
Italia 0 x 0 Costa Rica
Uruguay 0 x 2 Inglaterra
Italia 0 x 0 Uruguay
Costa Rica 0 x 3 Inglaterra

Colômbia 0 (2) x 0 (4) Italia
Brasil 0 (4) x 0 (5) Italia
França 0 (3) x 0 (5) Italia
Espanha 0 (4) x 0 (5) Italia 


Dirão alguns que um cenário como este é por demais improvável, no que eu me sinto impelido a concordar. Não obstante isso, é uma campanha possível – ao menos do ponto de vista das estatísticas. E então, para consagração máxima (com décadas de atraso) do catenaccio, teríamos um (penta)campeão mundial que passaria todos os sete jogos sem marcar um gol sequer, tendo sofrido apenas um - puro requinte de crueldade, para que a campanha tivesse uma derrota em meio aos outros seis empates. 

Seria muito feio um campeão do mundo desse jeito, alguém haverá de dizer. Talvez sim, talvez não. Eu prefiro pontuar que tal façanha mereceria um reconhecimento à altura. E sigo em frente, chegando ao ponto que interessa, para dizer que tudo fica mais bonito quando envolve um mata-mata (ou, neste caso, apenas um “mata”).

Sim, os defensores dos malfadados pontos corridos haverão de apelar para o único – e desgastado – argumento a sustentar a predileção: a tal justiça que, desavisada, os acompanha por todos os cantos. Mas não se desesperem: poupá-los-ei, caros leitores, de toda a retórica furada em defesa dos pontos corridos para, tomando o futebol como uma bem acabada metáfora da nossa existência, dizer que a vida é um eterno mata-mata.

Se não, vejamos:

Fosse a vida um campeonato de pontos corridos, o funcionário assim justificaria um erro de grandes proporções para seu patrão: “Chefe, sei que perdi um contrato milionário por um descuido, mas veja o senhor que sempre tive um rendimento acima da média e, graças a essa regularidade, acumulei uma gordura que compensa esse e outros erros mais”. Ao que o patrão aquiesceria, benevolente e sabedor da justiça por trás dos pontos corridos.

Ou o marido, após um deslize conjugal, se sairia com essa: “Mas, meu amor, foram 25 rodadas de invencibilidade e eu não posso ser desclassificado por uma única derrota fora de casa. Seria injusto depois de tudo o que fiz até agora”. E a esposa, sem sequer se dar conta do linguajar do futebol a invadir o quarto do casal, declamaria Chico Buarque para o amado: “Logo vou esquentar seu prato/ Dou um beijo em seu retrato/ E abro meus braços pra você”.

Como se sairia com essa tese também o imberbe vestibulando, ao fracassar no primeiro mata-mata de sua vida: "Não posso ficar de fora da lista final! Sempre fui o melhor aluno da classe e tive desempenho quase perfeito em todos os simulados no cursinho". Ocorre, caro estudante, que a vida não é assim uma equação de segundo grau e o seu histórico escolar não conta para o vestibular. "Mas foi um erro bobo; só esqueci uma fórmula". Sim, claro; muitos campeonatos foram decididos em pênaltis bobos.

Justo ou injusto, certo ou errado, a vida não é pontos corridos. A vida, torno a dizer, é mata-mata.

A vida é superação dia após dia, é uma constante provação, é o risco iminente e insofismável de um tropeço que pode colocar em xeque toda uma reputação construída ao longo de décadas.

Sim, caros defensores da justiça no futebol, há derrotas que, tão acachapantes quanto conclusivas, podem solapar muitas rodadas de invencibilidade. E pode haver toda uma lógica quando um oitavo colocado bate o primeiro em duas partidas – e aqui eu gostaria de citar o Santos de 2002, que superou o líder SPFC com vitórias contundentes na Baixada (3-1) e no Morumbi (2-1), dali arrancando para um título que foi obtido, novamente, com duas vitórias sobre outro rival, o SCCP. Eu vos pergunto, justiceiros de plantão: como contestar um triunfo como o daquele Santos?

Por sinal, lá se vão 11 anos desde o dia em que resolveram roubar do torcedor deste país o direito às grandes tardes e noites de decisão. Acabaram com as finais inesquecíveis, com os heróis de um jogo só, com os craques que se tornam vilões em 90 minutos, com as grandes viradas, enfim. Acabaram, pois, com um pouco do que fazia o futebol brasileiro mais interessante. Mais imperfeito, é bem verdade, e sujeito a erros imensos, mas inegavelmente mais empolgante. Trocaram isso tudo por 38 rodadas modorrentas, que só prestam mesmo para um canalha qualquer proclamar que “todo jogo é uma decisão”.

Quanta bobagem, senhores. Evocar uma pretensa justiça logo em um esporte tão sujeito às intempéries é de uma pobreza de espírito comovente. Porque se a vida não funciona assim, por que haveria o futebol, esta manifestação popular nascida para a transgressão, de fazer isso? O discurso empolado de que a melhor campanha se mede pela somatória de pontos ao longo de 38 exasperantes e esquecíveis jornadas parece erigido por burocratas de plantão que ignoram o sentimento de uma vitória dramática em uma final.

Tenho para mim que os paladinos da justiça dos pontos corridos jamais tiveram a decência de comemorar uma vitória definitiva no estádio. Tenho para mim que desconhecem a sensação de viajar até o saudoso Olímpico porto-alegrense para lá buscar um triunfo improvável e revigorante. Que nunca antes foram à Ilha do Retiro como visitantes, que desconhecem o Maracanã a partir das finadas cadeiras inferiores azuis, que ignoram a catarse de um gol solitário a determinar o 0-1 do título no placar. Que nunca viveram a emoção de ver o seu time vitorioso em um clássico decisivo contra o maior rival. Tenho para mim que não sabem viver a vida.

A vida, devo dizer, não se mede por um acúmulo de conquistas menores e parciais. A vida não se mensura pela regularidade covarde de quem deseja justiça (e o que é justiça, afinal?) em um esporte tão afeito às surpresas, mas pelas demonstrações de força, pelos momentos de entrega, pela superação. Os tempos bons nem sempre são anteparo contra os maus momentos, e sim, acreditem, um tropeço isolado pode jogar por terra tudo aquilo que foi construído em uma vida inteira – que me perdoem os incomodados, mas o mundo não é justo.

A vida não se vive em uma pequena e esquecível vitória caseira na 31ª rodada; a vida se vive, isto sim, com um gol suado, de carrinho, sob chuva, fora de casa, aos 44 minutos do segundo tempo.

A vida é mata-mata!

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E assim, com um texto atemporal e que revive um pouco do espírito que me faz resistir com isso há mais de década, o blog volta ao seu necessário recesso. Aos novos visitantes, recomendo conhecer o espólio desta página. Obrigado.

22 comentários:

Luiz disse...

Muito bem expressado!

lucas disse...

Barneschi concordo em quase tudo que você disse a única coisa que eu questiono em um mata-mata de ida e volta é essa regra do gol fora de casa, acho que o campeonato brasileiro deveria ter os 4 melhores classificados disputando um mata-mata assim teriamos uma disputa mais atrativa durante o campeonato por essas 4 vagas mais os jogos de semifinais e finais, sobre 2002 o Santos tinha um dos melhores times da época que ficou marcado na história

Pompéia disse...

Aposto que se o FLA-RJ cair, ano que vem volta o mata-mata. Com o pretexto do ibope, etc, e tal...

Rafael disse...

Não sei dizer se é o melhor texto que já li aqui, mas entrou na lista.

Muito obrigado.

Bruno Bernardo disse...

E o nosso "Presidente" já queimando o Gareca logo na primeira semana de trabalho. Disse que a promessa de reforços era brincadeirinha, que o time é esse mesmo e que El Tigre se vire com Wendels, Josimars, Mazinhos e outras buchas. Esse babaca já deu...

Blog do Meu Saco disse...

Há vários problemas com esse raciocínio.

Um campeonato de pontos corridos pode ser decidido de tal forma que as analogias todas utilizadas, para alinhar os sistemas da vida e do mata-mata, se prestassem a alinhamento idêntico. Um exemplo só já é o suficiente: uma equipe lidera o campeonato inteiro, invicta, seguida de perto por outra. Na última rodada há o confronto entre elas e basta à líder um mísero empate. Perdendo, tem um pênalti anotado para si nos estertores da peleja, mas seu máximo artilheiro atira a bola na Lua. Fim. Deu na mesma. E eu ainda poderia fazer analogias em torno da necessidade da prudência, do planejamento e da regularidade para dar exemplos de como uma vida pode, sob certos pontos de vista, parecer infinitamente mais assemelhada aos pontos corridos do que ao sistema de tiro curto.

O campeonato de pontos corridos, por princípio, não liquida a tensão das partidas decisivas. É verdade que ele abre espaço para a hipótese, mas isso está longe de ser a regra.

Quanto à questão da "justiça", há uma enorme confusão. Qualquer campeonato que seja decidido dentro das regras acertadas de antemão - e sem trapaças, é claro - terá um resultado inequivocamente justo, pouco importando o sistema. Por outro lado, se é verdade que "a vida não é justa", também é verdade que isso não é motivo para que se abandone - como diria o velho Kant - a "permanente intencionalidade" de se obter Justiça, e muito menos para que a Injustiça seja tratada como algo a que não se deva oferecer combate.

Assim, não existe nada de mais - inclusive porque, ao contrário do que ando ouvindo por aí, não se trata de um regulamento "contrário às nossas tradições" - em se desenvolver um regulamento segundo o qual a equipe que fez o melhor campeonato o vença. Não porque isso seja mais ou menos justo, mas porque chega a ser logicamente necessário. Se não existisse nenhum regulamento assim, ele teria que ser inventado simplesmente porque todos desejariam ver, de vez em quando, um campeão produzido pela melhor campanha. Aliás, curiosamente, o caminho natural da coisa foi precisamente o inverso: no começo da coisa, todos os campeonatos eram assim, e só depois alguém teve a ideia de criar fórmulas mais rápidas e menos dispendiosas.

Nossos - como direi? - ancestrais futebolísticos jamais cogitaram comparar as fórmulas segundo o critério da "emoção", e isso porque essa comparação não tem pé nem cabeça. Os campeonatos de pontos corridos, pelo mundo e história afora, já produziram desfechos alucinantes, ao passo que as decisões por mata-mata, sobretudo depois do advento do gol qualificado (esse sim um dispositivo "aberrante", teratológico ou o que vocês quiserem), já pariu finalíssimas assassinadas aos 05 minutos do primeiro tempo.

Mas há mais um dado que salta aos olhos nessa sanha, nessa quase tara que se levanta contra os pontos-corridos. É um traço, inclusive, meio sintomático de totalitarismo puro e simples. Vejam: a Taça São Paulo é disputada em mata-mata. Os Estaduais são disputados em mata-mata. A Copa do Brasil é disputada em mata-mata. A Libertadores é disputada em mata-mata. O Pré-Olímpico é disputado em mata-mata. As Olimpíadas são disputadas em mata-mata. O Mundial de Clubes da Fifa é disputado em mata-mata. A Copa do Mundo é disputada em mata-mata.

Só o Brasileirão não o é. E nem isso os seus detratores conseguem suportar - se bem que eu esteja muito propenso a acreditar que isso se deva, antes de tudo, ao fato de torcermos por uma equipe que não consegue disputar o título regularmente, e só.

Tamanha tara por uma coisa tão banal e tão universalmente assimilada - são poucos os países que jogam futebol a sério e que não têm um campeonato em pontos corridos, se é que existem - só pode ser fruto ou da falta de experiência, ou da de memória. Lembro-me deliciado do Campeonato Paulista de 94, e não sei como a partida que o decidiu, contra o São Paulo, possa ter sido menos tensa e emocionante do que as duas contra o Vitória, no Brasileiro de seis meses antes.

Ou não foi assim?

Hein?

César SEP disse...

Esse é um dos melhores textos sobre mata-mata. É uma analogia da vida. Talvez o texto publicado pelo "Ducker gremista" sobre a Libertadores reflita bem isso: " Era preciso ser mais que jogador, era preciso ser homem (...) nem sempre (ou quase nunca) ganhava o melhor. Ganhava o mais forte.
A taça, alguns têm; a glória, poucos".

Anônimo disse...

post sem pe nem cabeça

descontextualização total da realidade

Rafael Teixeira disse...

Na minha opinião, Barneschi e Blog do saco, até mesmo a falácia da tal justiça não se sustenta se melhor observada.

Isso porque sagra-se campeão aquele que soma mais pontos.

Quero dizer que no final das contas, aqueles três pontos ganhados em cima de um Grêmio Barueri da vida, no início do campeonato, quando os principais times estão se preocupando com outros torneios (Libertadores ou Copa do Brasil) “pesa” os mesmos três pontos de um clássico, ou um jogo p. ex. no Olímpico, em baixo de chuva, pressão imensa da torcida adversária, arbitragem prejudicando, etc.

No final, é possível que seja campeão, um time que não tenha vencido nenhum clássico, e em um campeonato de 38 rodadas, apenas alguns jogos importantes.

Quanto à emoção, acredito que é uma questão pessoal. Mas não consigo entender alguém que goste de futebol preferir uma pseudo final a 4 rodadas do término do campeonato, contra um time na zona do rebaixamento.

Julio Cesar disse...

Rodrigo, espero ansioso pelo(s) seu(s) livro(s). Tú é um craque na postura e nas palavras!
Vida longa ao Forza Palestra!
Saudações de um fã vascaíno.

Unknown disse...

O método de pontos corridos é um crime ao futebol brasileiro. O Brasil é um continente e 20 clubes na primeira divisão é uma afronta!! Nunca vi ninguém abordando isso, seja na imprensa ou em blogs...

Rodrigo Barneschi disse...

Nobre Falavigna,

Agradeço pela saudável oposição às minhas ideias. Vamos à necessária tréplica:

Concordo que seja possível fazer analogias que equiparem a vida a um extenuante, desagradável e prolixo sistema de pontos corridos. Estaríamos, pois, falando de “prudência, planejamento, regularidade”, palavras muitas afeitas a quem pretende desfraldar a bandeira da justiça dos pontos corridos. Tem-se, pois, um prêmio (o título) a quem se portou de maneira mais conservadora, mais recatada, mais cautelosa, mais chata, enfim. Como tudo aquilo que decorre de um campeonato disputado pela somatória de pontos ao longo de 38 exasperantes rodadas. Chato, muito chato! Porque sim, a vida pode ser chata. Mas a vida, se me permite dizer, não precisa ser chata. E são exatamente os momentos que fogem do planejamento, da regularidade e da prudência que a tornam especial. Se já abri espaço para Chico Buarque no post, agora recorro a John Lennon: “Life is what happens to you while you're busy making other plans.”

Te digo, na sequência, que o campeonato de pontos corridos assassina o conceito de decisões. Se não, vejamos:
Entre 2003 e 2013, tivemos 11 campeões “prudentes, planejados e regulares”. Pergunte, pois, a qualquer um: de quantas decisões você se lembra? De quantos “jogos do título”? De quantos gols decisivos? De quantos artilheiros, heróis e vilões? Quando muito, o sujeito vai se lembrar de 2005 (mais por conta do roubo do Marcio Rezende e pelo lance do Tinga), de 2009 (pelo ineditismo de cinco times podendo chegar ao título na última rodada) e de 2011 (pela coisa do Sócrates, pelo clássico na última rodada etc.). De resto, não sobra mais nada para contar história; houve campeões com três ou quatro rodadas de antecedência, em rodadas desimportantes, sem qualquer apelo, sem emoção, sem lembrança. Em oposição a isso, temos todas as finais de 1971 a 2002, boa parte delas memoráveis. De minha parte, por exemplo, sou capaz de listar todos os campeões, os vices e os placares das decisões.

Concordo contigo que o gol fora de casa é uma aberração criminosa e sobre isso já escrevi anteriormente. Mas é uma invenção que não impactou, por exemplo, o Brasileiro antes de 2003 e que, via de regra, não é utilizada em nossos campeonatos caseiros (estaduais ou nacional), mas apenas nos torneios de tiro curto (notadamente Libertadores e Copa do Brasil). Para todos os efeitos, havia sempre a vantagem de o time com melhor campanha jogar pelo empate na somatória dos dois resultados, o que me parece bastante mais correto.

Ademais, o fato de todas as demais competições serem disputadas em formato mata-mata evidencia apenas uma coisa: o único campeonato disputado em pontos corridos é, não por coincidência, o mais chato, desagradável e insuportável de todos.

Aqui, sinto-me impelido a fazer um ajuste pontual: a minha predileção pelo mata-mata vem sendo defendida desde o ano em que mudaram o formato de disputa; não há portanto, qualquer relação com o fato de o Palmeiras não ter conseguido um título ainda neste novo formato.

Sobre o Palmeiras x SPFC de 1994, foi um acaso, apenas isso. Tanto que o jogo final, contra o SCCP, foi pensado para ter esse caráter de decisão, mas valeu apenas e tão somente para a entrega da taça – e para que o Edílson fizesse o gol que fez.

Encerro por aqui.

A vida é mata-mata!

Anônimo disse...

na boa...pontos corridos é o campeonato mais chato do mundo...até jogo de volei fica mais emocionante que essa merda de campeonato...mesmo qdo se é cameão não tem a mesma graça comemorar

Anônimo disse...

pontos corridos é o futuro

Anônimo disse...

Pontos corridos é o meu pau de óculos!!!

VIVA o MATA MATA!!

Luan disse...

Pátria Mãe Itália 5x3 fruminenC

nossa honra e nossa história não foi manchada, mas que a grande AZZURRA nunca mais jogue contra um time tão insignificante e medíocre.

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

gostaria de saber a opinião do mantenedor do blog a respeito da musica ''eu sou brasileiro....'' entoado nos estadios nesta copa do mundo

Nicola disse...

No aguardo do post sobre o Uruguay e Suárez.

Unknown disse...

Barneschi, gostaria de saber sua opinião sobre o caso do Suarez na Copa.
Abraços

Marcos Araken disse...

Amigo Barneschi... Hoje vc me convenceu! Acabo de entrar pro time do "mata-mata"!!

Luiz Urameshi disse...

Engraçado, quase sempre quem defende os pontos corridos (ou melhor, pontos sonolentos) posta como "Anônimo"...