26 fevereiro 2015

Precificação: equívocos e consequências
















Cena comum durante os jogos no novo estádio: excluídos por uma política de precificação higienista, centenas de palmeirenses acompanham o clássico contra o SCCP na esquina da Turiassu com a Caraibas; dentro do estádio, os setores centrais (a R$ 350!) ficam vazios.

Precificação. Por mais extenso que fosse, um texto aqui publicado dificilmente daria conta de abranger todos os elementos relevantes para a discussão sobre como estabelecer o preço adequado à relação entre oferta de um produto ou serviço e a demanda por ele. Por isso, vou simplificar a apresentação do assunto: em qualquer lugar minimamente sério, a precificação é uma decisão racional, baseada em estudos de mercado e pautada pela sustentabilidade no relacionamento entre quem vende e quem compra.

No Palmeiras sob o comando de Paulo Nobre, no entanto, a precificação dos ingressos para jogos do clube é um processo impressionista e personalista. Desde o início da gestão, os preços partiram sempre da mente doentia do mandatário, sem qualquer amparo de estudos junto à torcida ou de avaliações sobre a razoabilidade da tabela praticada. Lembrem-se, por exemplo, da arquibancada a R$ 60 na abertura da Série B, em Itu. Ou dos mesmos R$ 60 para jogos do Brasileiro do ano passado, com o time caindo pelas tabelas.

É bem singela a explicação para este descompasso: Paulo Nobre é o menino mimado que vê o novo Palestra como seu brinquedinho e, como tal, quer decidir quem com ele pode ou não pode brincar. Por conta própria e sem dar ouvidos a seus cúmplices (a reclamação é deles), Nobre define os preços vigentes no novo estádio da S.E. Palmeiras. E faz isso não com base em estudos ou em alinhamento com seus pares, mas a partir de sua visão distorcida de mundo.

Se Nobre não tem o devido cuidado quando se trata do relacionamento com o patrimônio maior da S.E. Palmeiras, é o caso então de apontar as inconsistências, os problemas e as obscenidades destes primeiros meses desde o retorno para casa, identificando, sempre que possível, os pontos em que as imposições de Nobre flertam com a insanidade:

_ O “setor popular” não pode custar R$ 80 qualquer que seja a circunstância. Muito menos R$ 100. Não há nada de popular quando se cobra 10% de um salário mínimo para uma arquibancada. Até porque, e isso é o mais grave, o preço cobrado por este setor acaba impactando todos os demais, tornando inviável qualquer relação sustentável entre clube e torcedor.

_ A diferença de preço entre a Cadeira Gol Sul (Turiassu) e a Cadeira Gol Norte (Matarazzo) não pode, em hipótese alguma, superar os 20%. Questão de lógica: em lugar algum do mundo tem-se a curva atrás dos gols como um setor privilegiado. No nosso estádio, no entanto, a diferença entre as duas ‘curvas’ é gritante: entre 75% (R$ 80 x R$ 140) e 212% (R$ 80 x R$ 250). Por sinal, a disparidade nos percentuais em jogos diferentes evidencia o descuido e a falta de planejamento.

_ O ingresso da Cadeira Gol Sul a preços extorsivos implica ainda em uma condição altamente desfavorável para as torcidas visitantes. A conta, como demonstrado anteriormente, será paga pelos palmeirenses que viajamos para ver o alviverde como visitante e também pelos torcedores locais, que terão de pagar preços astronômicos para ver o Palmeiras em suas cidades.

_ Há, ainda, uma distorção que diz respeito à tese de que os setores superiores centrais são tão menos privilegiados que os inferiores (a ponto de justificar diferenças acintosas entre os valores cobrados). Não há nada que justifique isso.

_ O Setor Oeste deveria ter um preço ligeiramente superior ao do Setor Leste. Três são os motivos: (I) o Setor Oeste tem acesso melhor, pela Turiassu; (II) quem fica no Setor Oeste não precisa se preocupar com o sol; e (III) preços menores no Setor Leste estimulariam a ocupação do espaço que é o primeiro a ser filmado pelas câmeras de TV.


Agora, em dois pontos, o problema mais grave:

_ Vivemos agora a transição de um modelo de setorização 80x20 para um modelo de setorização 20x80. Explicando: os estádios mais antigos sempre foram regidos por uma lógica em que a arquibancada respondia por algo em torno de 80% da capacidade, ficando os 20% restantes para as “numeradas” ou “sociais”. Tinha-se, a partir disso, uma clara distinção entre o público presente a cada um dos setores – e tal distinção, frise-se aqui, estava alinhada com a estratificação social de nosso país. Era assim no antigo Palestra (as numeradas coberta e descoberta comportavam não mais do que 5 mil lugares) e também no Pacaembu (com as cadeiras laranjas tendo um preço não tão abusivo na comparação com arquibancada principal e tobogã). As novas arenas, no entanto, acabam por subverter tal lógica, elevando sobremaneira os preços não apenas das áreas mais privilegiadas, mas de todas as demais. O que se tem hoje no Palestra é um único ambiente (a Cadeira Gol Norte) com preços “populares” e todo o restante do estádio com preços obscenos. É um modelo insustentável, até porque os ingressos “populares”, pouquíssimos, se esgotam rapidamente e ficam sempre com os mesmos torcedores – aqueles que estamos melhor colocados no rating do Avanti (o que é justíssimo, diga-se de passagem). Para os demais, impõe-se uma “nota de corte” das mais severas.

_ Ampliando a discussão iniciada no item anterior: é possível (e até necessário) ter um setor muito caro (R$ 200 ou R$ 350, vá lá) desde que ele tenha um tamanho proporcional ao total de pessoas aptas e dispostas a pagar por isso. Algo como a cadeira azul do Pacaembu. Ou como a numerada coberta do Palestra. Mas é insustentável praticar preços assim tão elevados em 40% dos lugares disponíveis no estádio (no caso, os setores centrais Leste e Oeste). Repito: estes dois setores, que têm ficado reiteradamente vazios, respondem por quase 40% dos assentos do estádio.


Da conjunção de todos esses fatores, emerge um cenário dos mais preocupantes. Tendo em vista especialmente o preço mínimo (R$ 80) e o modelo que faz com que os bilhetes populares sejam apenas 20% do total, temos uma “nota de corte” para o público ‘comum’ (leia-se “não Avanti estrelado”) que deseja ir ao estádio: R$ 120 (o indigesto preço do setor superior).

Afinal, os cerca de 6.200 ingressos (bem menos que 20%) da Cadeira Gol Norte se esgotam rapidamente, ficando sempre com os melhores colocados no rating do Avanti. Na sequência disso, um torcedor eventual, daqueles que só pode ir aos jogos de vez em quando, passa a se deparar com um cenário em que somente conseguirá ver o Palmeiras em campo se se dispuser a pagar R$ 120. Se quiser levar os filhos, aí a tarefa se torna inviável.

Em jogos com maior procura, chegam ao fim rapidamente também os setores superiores e a Cadeira Gol Sul. Desta feita, restará a este ‘torcedor eventual’ apenas e tão somente a opção de ser extorquido com o desembolso de R$ 200 (ou R$ 350) cobrados pelos setores Leste e Oeste.


Daí então temos o seguinte paradoxo:

Existe uma enorme demanda de pessoas querendo conhecer o novo estádio, mas ele segue não recebendo público total (com as cadeiras centrais às moscas, mesmo em um dérbi) porque não há quem consiga encarar os preços doentios praticados por Nobre.

Não à toa, a esquina da Turiassu com a Caraibas tem ficado repleta de torcedores durante os jogos, todos eles alijados do estádio por essa política de precificação higienista e excludente. Da mesma forma, é forçoso observar que muitos torcedores de outros tempos deixaram de ir ao estádio pela impossibilidade de bancar os valores propostos.


Aos efeitos disso:

_ Em curto prazo, tem-se os setores centrais (aqueles que aparecem na TV) vazios e perde-se uma receita que poderia ser alcançada com valores mais racionais. Perde-se também a pressão de uma torcida mais perto do campo (tanto no centro quanto atrás do gol da piscina);

_ Em médio prazo, cria-se uma relação pouco saudável com o torcedor, que se vê coagido a estabelecer um relacionamento contratual (Avanti) se quiser preservar o seu direito de ir ao estádio. Para muitos, nem isso será o bastante, uma vez que, torno a repetir, a modelo 20x80 limita os preços “populares” a um pequeno contingente da torcida. O resultado é um distanciamento entre clube e torcedor.

_ Em longo prazo, perde-se a conexão com a “massa”. Caso os alienados e os elitistas não saibam, é o vínculo com a “massa” que faz o Palmeiras ser o gigante que é. É o que torna o Palmeiras um clube com torcida em todo o país. É o que garante a nossa representatividade – porque os títulos já não fazem parte da rotina.


Eu escrevi, em post do ano passado, que o Palmeiras não resistiria a mais dois anos de Paulo Nobre. Torno a repetir agora. Porque, imerso em seu mundinho apartado da realidade, Nobre acaba por afastar da arquibancada do Palestra Italia o torcedor com menos recursos – que, não custa dizer, é a imensa maioria. Pior do que isso: os preços abusivos representam também um processo de exclusão das crianças, em especial as mais humildes – porque um pai pode até fazer um esforço eventual para bancar a sua entrada, mas dificilmente conseguirá levar seus filhos ao estádio. E é terrível imaginar os efeitos disso para a nossa próxima geração de torcedores.

***

Crédito da foto: Marco Bressan (Teo)

9 comentários:

René Fontes disse...

Eu acho que a grande discussão não seria o preço dos ingressos como um todo! Mas sim como encher as cadeiras centrais. Porque o preço dos ingressos passa também por um problema que se tem nos teatros, devido as meias entradas, tem que se cobrar um preço abusivo. O jogo palmeiras e Audax, tudo bem que não era mando nosso, mas de 25.000 ingressos, só 2.700 eram inteiros o resto eram meias e avantis. Um plano Avanti também de 139,00 que praticamente te dá direito a sentar no estadio todo, sairia 35,00 por jogo, acho bem aceitável! Portanto acho mais importante a discussão das cadeiras centrais do que do preço! E me desculpe, achei o texto muito mais preocupado em criticar o Paulo Nobre do que achar soluções!

Unknown disse...

A volta ao Palestra, que era pra ser uma festa, tem sido uma depressão.
Não consigo mais enxergar esse estádio como nosso, não me sinto confortável preso entre aquelas cadeiras inúteis que impedem até que você se movimente na arquibancada(sim, eu acho isso importante. E defendo o Pacaembu quando alguém critica. Aquilo é um estádio de verdade ainda).
Porém, se fosse apenas isso, eu acho que conseguiria me acostumar. O espaço não é mais o mesmo, é artificial, mas a torcida é algo tão forte que construiria uma relação com ele. O problema é que a torcida, como ela é em sua essência, cada vez menos frequenta o estádio. Não sei onde isso vai dar, mas algo bom não será, disso eu tenho certeza.

Anônimo disse...
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Patrick disse...

Vinicius, estou sentindo o mesmo que você, cara.

Pqp, vc foi no jogo contra o Rio Claro? Nem nos jogos do Pacaembú que terminavam 0 x 0 com 6.000 pagantes eu me sentia tão mal.

Ainda não me acostumei com o novo Palestra, não me sinto confortável lá como eu me sentia no antigo ou no saudoso Pacaembú.

Anônimo disse...

Barneschi, você já consegue dizer o quanto você gasta a mais com ingresso após a inauguração do novo Palestra?

Rodrigo Barneschi disse...

Cara, eu acredito que nada a mais, até porque o preço dos planos Avanti não teve qualquer reajuste até o momento. Mas reitero o que sempre digo: minha preocupação não é comigo, mas com os palmeirenses que não podem comprar os ingressos caríssimos para os setores que restam depois de esgotados os "populares". E, neste caso específico, tenho preocupação com o longo prazo e com as próximas gerações de torcedores.

Unknown disse...

Exatamente.
E já é importante perceber a quase inexistência de crianças no gol norte. Acredito que os outros setores do estádio não devem estar tão diferentes.

César SEP disse...

Até entrando nessa questão da mudança do novo público no Palestra.... Essa discussão lembra a decisão que partiu do Sul do país, tomada pelos cartolas: Grenal com torcida mista é mais uma vitória desse "futebol moderno". Patético

Anônimo disse...

seu merda, seu bosta exclua meu comentario mesmo seu mané, sugiro que a proxima vez que voce exclui-lo, pegue o meu comentario e enfia no seu cu ordinário