Lá se vão longos 20 anos. Parece até que foi ontem, muitos haverão de dizer. E se ainda hoje a torcida canta que
“em 93, nós ganhamos o Paulistão...”, não é necessariamente pelo apelo de um título paulista, mas sim por tudo o que representou aquela gloriosa goleada de
“4 a 0 pro Verdão”. Não só a vitória derradeira, mas toda a campanha que nos permitiu fazer do 12 de junho de 1993 um marco na história alviverde. E hoje, exatas duas décadas transcorridas desde a tarde/noite em que
São Paulo o Brasil o mundo parou para ver Evair rolar a bola, mansa e obediente, rumo ao fundo do gol, é hora de relembrar a trajetória única daquele time inesquecível.
Para os muito jovens, um Campeonato Paulista pode nem parecer assim tão importante. Mas era. E foi ainda mais em 1993, o ano em que El Matador nos libertou das agruras de 16 anos sem título.
Antes mesmo da campanha, faz-se necessário um breve enunciado sobre a conjuntura daquele início dos anos 1990. Para não cair no risco de um texto muito longo, vou resumir os elementos mais importantes em tópicos:
-O Palmeiras caminhava para 17 anos sem títulos (desde 1976), com um vice brasileiro (1978) e dois vices paulistas (1986 e 1992) na conta, além de inúmeros insucessos nesse período. Via de regra, os times eram ruins mesmo (mas não tão fracos quanto o atual) e perdiam para rivais mais qualificados. É possível, no entanto, identificar aqui e ali indícios da estranha predileção que se acentuaria a partir dos anos 2000: o gosto pelas derrotas vexatórias, inexplicáveis e inacreditáveis dentro de casa. Foi assim no vice paulista de 1986 (derrota para a Inter de Limeira no Morumbi) e nas eliminações consumadas contra XV de Jaú (1985), Bragantino (1989) e Ferroviária (1990).
-A Parmalat chegara ao clube em 1992, com um então inédito projeto de cogestão do futebol. O começo foi polêmico (com a alteração no uniforme, com as listras e um verde mais claro). No primeiro ano, o investimento foi modesto, com as chegadas de Zinho e Mazinho. Veio o vice-campeonato paulista, diante de um SPFC que era muito mais time. Para o ano da glória de 1993, no entanto, a empresa abriu os cofres: foi buscar Edmundo no Vasco, Edílson no Guarani, Antônio Carlos no Albacete (Espanha) e Roberto Carlos no União São João. Os nomes impressionam, mas é bom lembrar que nenhum deles, à exceção de Antônio Carlos, era assim tão conhecido no mercado. Todos estavam em início de carreira e mostraram ser apostas certeiras. O grande Cléber só seria contratado no segundo semestre daquele ano, para o Brasileiro.
-O referido vice na final paulista de 1992 contra o SPFC estava ainda muito vivo na memória quando começou o torneio de 1993. Afinal, foi de um ano para o outro se deu a transição no calendário do futebol brasileiro: antes o Brasileiro era disputado no primeiro semestre e os estaduais, no segundo. Houve uma inversão na virada dos anos e a consequência é que praticamente foram emendadas duas edições seguidas do Paulistão: o de 1992 terminou já no final de dezembro e a de 1993 teve início já em janeiro.
-Vivíamos ainda um surto de inflação, um ano antes do Plano Real, o que explica a renda do duelo decisivo contra o SCCP: Cr$ 18.154.000.000,00.
-Velloso começou no gol, mas se machucou logo no início e abriu espaço para Sérgio, que foi o camisa 1 até o fim da campanha.
-Mazinho, por sua vez, começou como segundo volante (era o camisa 8), mas acabou passando para a lateral-direita no meio da disputa – uma vez que João Luís teve desempenho fraquíssimo.
-Em sendo assim, eis aqui o nosso time-base: Sérgio; Mazinho, Antônio Carlos, Tonhão e Roberto Carlos; Sampaio, Daniel Frasson, Edílson e Zinho; Edmundo e Evair.
-Os técnicos foram: Otacílio Gonçalves (23 jogos), Raul Pratali (1 jogo) e W(V)anderley(i) Luxemburgo (14 jogos).
-Outros jogadores que entravam bastante no time: Amaral (que jogou mais até que Daniel Frasson), Claudio, Sorato, Maurílio, Jean Carlo, Edinho, Soares, Alexandre Rosa, Jefferson e Paulo Sérgio (autor do primeiro gol da era Parmalat).
-Os árbitros mais comuns: Oscar Roberto Godói, Edmundo Lima Filho, Antônio de Pádua Sales, Dionisio Roberto Domingos, Dagoberto Teixeira, João Paulo Araújo, José Aparecido de Oliveira, Dalmo Bozzano e Silas Santana. Dificilmente fugia desses.
Isso posto, vamos aos jogos, com comentários ao final de cada etapa:
1ª fase, turno
Palmeiras 2-1 Marília – 27.516 - vídeo
XV de Piracicaba 0-2 Palmeiras – 13.304
Palmeiras 2-2 Rio Branco – 21.415
Santos 1-3 Palmeiras – 39.245 - vídeo
Palmeiras 2-2 Ponte Preta – 19.911
Palmeiras 2-0 SCCP – 35.959 - vídeo
Mogi Mirim 2-2 Palmeiras – 10.268
Palmeiras 1-1 União São João – 16.912
Portuguesa 0-4 Palmeiras – 29.954
Ituano 1-3 Palmeiras – 8.752 - vídeo
Guarani 1-3 Palmeiras – 28.741 - vídeo
Bragantino 1-0 Palmeiras – 10.933 - vídeo
Palmeiras 4-1 Juventus – 15.222 - vídeo
Palmeiras 0-0 SPFC – 96.340
Noroeste 0-0 Palmeiras – 14.530
A estreia, contra o Marília, teve contornos de espetáculo. Afinal, era a estreia de todos os reforços da temporada. O Palmeiras saiu atrás aos 2 minutos, mas foi buscar a virada (com gols de Sampaio e Evair). Não foi uma exibição magistral, mas foi o princípio de tudo, diante de 27.516 pagantes. A seguir, boas vitórias (em especial o 3-1 contra o Santos no Morumbi) vieram acompanhadas de empates decepcionantes em casa (2-2 contra Rio Branco e Ponte Preta e 1-1 contra o União São João). Já se percebia todo o potencial daquela equipe, mas ainda faltava engatar uma sequência de bons resultados.
O 4-0 contra a Portuguesa (no Pacaembu) marcou o auge técnico daquele time, ao mesmo tempo em que evidenciou os problemas de relacionamento. Os gols foram marcados exatamente pelos quatro homens de frente: Edmundo, Edílson, Evair e Zinho. O gol de
Edmundo, por sinal, foi daqueles antológicos. Insatisfeito com a substituição no segundo tempo, o Animal deixou o campo antes mesmo da entrada de Jean Carlo, gerando enorme polêmica. Durante a partida, Evair e Edílson se ofenderam algumas vezes; o camisa 9 xingava o 10 de "moleque". Em suma: era um caldeirão de vaidades, mas o time era tão bom que até isso ficava em segundo plano. Sobre esse jogo específico, vale conferir todas as quatro páginas da
cobertura da Folha de S.Paulo do dia seguinte.
Vieram então mais duas vitórias no interior (um duplo 3-1 em Itu e em Campinas) até a primeira derrota, em Bragança (0-1). A bem da verdade, o incômodo foi maior por trazer à tona as lembranças de insucessos anteriores contra um clube que era então considerado uma pedra no nosso caminho. Depois o Palestra emendou um 4-1 no Juventus e dois empates sem gols (um deles diante de 96 mil pessoas em clássico contra o SPFC).
1ª fase, returno
Juventus 2-1 Palmeiras – 18.166 - vídeo
Palmeiras 2-0 Bragantino – 5.872 - vídeo
Marília 1-3 Palmeiras – 10.481
Palmeiras 1-0 Noroeste – 17.284
Palmeiras 2-1 Santos – 36.269 - vídeo
Ponte Preta 0-1 Palmeiras – 5.046 - vídeo
Palmeiras 2-1 Portuguesa – 22.336 - vídeo
Palmeiras 1-2 Mogi Mirim – 14.670 - vídeo
SPFC 2-0 Palmeiras – 51.319
Rio Branco 1-2 Palmeiras – 12.583
Palmeiras 2-0 Ituano – 24.467
Palmeiras 3-0 Guarani – 10.366
SCCP 3-0 Palmeiras – 90.357 - vídeo
União São João 0-1 Palmeiras – 19.034 - vídeo
Palmeiras 2-1 XV de Piracicaba – 6.772 - vídeo
O returno reservou uma crise, a demissão do treinador que dera início à trajetória e a chegada de Luxemburgo. A pressão sobre Otacilio Gonçalves, que já era grande desde o início do ano, se acirrou após uma derrota em casa (1-2) para o Mogi Mirim. O Chapinha não resistiu. Para seu lugar, chegou um nome que era então apenas uma promessa.
O time ainda perderia os clássicos para SPFC e SCCP, mas o ótimo desempenho no turno e as 11 vitórias em 15 jogos no returno garantiram a classificação com enorme tranquilidade.
Vale observar o seguinte: se o primeiro turno ficou marcado por alguns tropeços aqui e ali (foram 6 empates, 3 deles contra times pequenos no Palestra), o returno teve apenas vitórias ou derrotas (11 contra 4). Na somatória de tudo, no entanto, cada turno contribuiu com 22 pontos.
A primeira fase terminou com a seguinte classificação:
1. Palmeiras - 44 (30-19-6-5-53-27)
2. SPFC - 39
3. SCCP - 39
4. Santos - 39
5. Guarani - 36
6. Rio Branco - 36
Da segunda divisão do Paulista, vieram Novorizontino (36) e Ferroviária (36) - esse artifício foi bastante comum nos anos 1990, permitindo, por exemplo, que o SPFC disputasse a série inferior e fosse campeão no mesmo ano, em 1991.
Não me perguntem por que cazzo, mas o regulamento previu a divisão desses oito clubes não no formato tradicional (1-4-5-8 de um lado e 2-3-6-7 do outro), mas sim com o 1º enfrentando o 5º, o 6º e o segundo colocado que veio do grupo inferior.
Em sendo assim, SCCP, SPFC e SFC ficaram em uma chave, enquanto o alviverde se deparou com três clubes do interior. Mais até: por ser o time de melhor campanha na fase classificatória, entrou na disputa com um ponto de bonificação. Daí que tivemos isso aqui:
2ª fase (quadrangular final)
Palmeiras 6-1 Rio Branco – 21.377 - vídeo
Guarani 0-2 Palmeiras – 16.890
Ferroviária 0-1 Palmeiras – 18.051 - vídeo
Palmeiras 1-0 Guarani – 20.602
Rio Branco 0-1 Palmeiras – 15.567
Palmeiras 4-1 Ferroviária – 15.003
Foi um passeio. Não contente com o bônus, o Palmeiras venceu os seis jogos, sofrendo apenas dois gols (no primeiro e no último jogo, exatamente aqueles em que marcou seis e quatro vezes, respectivamente). Merecem destaque a goleada na estreia, contra um então bom Rio Branco, e o 1-0 em Araraquara, em tarde de Edmundo.
Do lado de lá, passou o SCCP: 9 pontos contra 8 do SPFC.
Final
SCCP 1-0 Palmeiras – 93.736 - vídeo
Palmeiras 4-0 SCCP – 104.401 - vídeo
Aqui, senhores, creio que nem devo avançar muito nos relatos sobre as duas partidas, uma vez que há incontáveis versões da história, muitas delas a partir dos próprios protagonistas daquela data histórica. O melhor deles, claro, vem do livro que vai ser lançado neste dia 12, com história contada por Fernando Galuppo e Mauro Beting.
Creio apenas que é válido fazer o registro abaixo e depois indicar alguns vídeos complementares do 12 de junho de 1993:
Até a final, o Palmeiras fez 62 pontos nas duas fases (classificatória e de grupos); o SCCP fez 48 pontos pontos nas mesmíssimas condições. No primeiro jogo, o SCCP venceu por 1-0; na volta, o Palmeiras enfiou um categórico 3-0. Resolvido, não? Que nada; o regulamento pedia ainda uma inusitada prorrogação, que poderia, com um único gol, desmontar toda a campanha alviverde. Ou seja: o título poderia ficar com o SCCP mesmo com uma derrota por 1-3.
De resto, senhores, o 4-0 final fala por si próprio, e eu seria incapaz de acrescentar algo relevante. Deixo-os, no entanto, com a efusiva recomendação para o livro que melhor vai contar essa história toda:
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Fiori Gigliotti narra o 2º gol. Nem foi o mais importante daquela tarde/noite, mas o fato de trazer toda a jogada na voz de Fiori faz enorme diferença. De quebra, reparem nas imagens e no barulho da torcida - e nas vinhetas da época. Que coisa linda...
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Osmar Santos na TV Manchete.
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José Silvério, o insuperável. Repito: insuperável. Silvério, narrador tecnicamente perfeito, vivia o seu auge. Um monstro.
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Como vocês podem perceber, há muitos jogos aí que já vem acompanhados dos respectivos vídeos (que eu encontrei em exaustivas buscas no YouTube). Mas a maioria não tem esse recurso. Peço aos senhores, por favor, que me avisem se conseguirem identificar mais algum vídeo de qualquer das partidas acima citadas. Aí eu já acrescento ao post, sempre no espírito colaborativo.