18 junho 2013

Até a volta, Maracanã!

Não é todo dia que a Azzurra se apresenta em solo brasileiro (a última vez tinha sido em 1957). Daí que surge uma oportunidade dessas e...

... e você se depara com uma das experiências mais degradantes a que um torcedor de futebol pode ser submetido. Não só pelo reencontro com o que restou do Maracanã, mas essencialmente porque o palco sagrado do futebol mundial foi tomado por criaturas que desconhecem o seu significado.

Sei que às vezes eu pareço crítico demais (venho tentando maneirar), mas fica difícil me conter diante de certas coisas. Uma vez que muito precisa ser dito sobre esse México 1-2 Italia no lugar onde antes ficava o Maracanã, não vou ter a pretensão aqui de escrever um texto com início, meio e fim. Nem estou com paciência para tanto. Vai aí uma coluna com várias notas esparsas:

PELA HONRA 
Antes de tudo, preciso deixar claro que assisti ao jogo em pé – e em qualquer lugar que não aquele indicado no meu ingresso (nem procurei saber qual era) – e proferi os xingamentos que bem quis. Melhor: vi o jogo em um espaço que sequer tinha cadeiras e, portanto, não poderia ser marcado. Era meio que uma passagem lá no alto, no último degrau. Até porque seria muito difícil fazer isso em outros cantos do estádio, uma vez que imperava a passividade das pessoas, todas conformadas com aquela violência praticada contra o torcedor e contra o futebol.

“PADRÃO FIFA”
Estamos falando da postura de descaracterizar o que já existe para transformar o estádio em um ambiente asséptico, padronizado (claro!) e livre de qualquer traço de originalidade. É por isso que os estádios todos se parecem, a começar pela arquitetura na divisa com o campo: sem alambrado, sem fosso, sem grade e, o traço mais característico, com uma espécie de muro que se presta a expor a identidade visual da Fifa e do torneio em questão.

RETIRADA DO INGRESSO 
Perdi apenas 15 minutos da manhã de sábado para retirar o ingresso no centro do RJ. A questão, no entanto, não diz respeito ao tempo investido, mas ao ato em si. Porque não faz o menor sentido ter de retirar o ingresso em um local se hoje você pode ou carregar o bilhete no seu cartão de crédito (e a Visa é parceira da Fifa) ou receber o dito cujo na sua casa, sem qualquer sacrifício. Ademais, se é para sujeitar o torcedor a retirar o ingresso, que o façam de maneira organizada, com outras opções de lugar e em horários decentes.

RECEBIMENTO 
Do lado de fora, quem chegava ao estádio era recebido pelos voluntários com um protocolar e bem treinado “Boa tarde; seja bem-vindo ao Maracanã”. Eu respondi o primeiro, por pura educação, mas ignorei os demais. Era muita civilidade para quem se acostumou a chegar ao Maracanã se sentindo ameaçado a cada esquina, ouvindo xingamentos daqui e dali e, não raro, tendo mesmo de travar contatos não muito amistosos com os donos da casa (rubro-negros em especial).

OS COXINHAS 
Um ponto positivo: não havia cavalos nas imediações; em consequência, não havia cheiro de bosta de cavalo, tampouco aquele rastro que costuma se espalhar pelas ruas próximas. De resto, todo o aparato militar se fazia presente ali por perto. Como eu cheguei bem cedo (duas horas antes do jogo), não tive grandes problemas para me aproximar do estádio e depois para entrar.

MARACANÃ, UM AEROPORTO
No que depender da Fifa, a experiência de ir ao estádio vai se assemelhar mais e mais a cada dia ao que enfrentamos nos aeroportos, onde a obsessão por segurança é sacal. Até o ingresso, vejam os senhores, se assemelha a um bilhete de companhia aérea: não só pelo formato, mas por aquele monte de números e códigos ininteligíveis. Aí vem o pedido para que o torcedor chegue cada vez mais cedo ao estádio (quase a rotina que precede um voo internacional) e depois todos são submetidos ao detector de metais e a uma via-sacra para conseguir chegar efetivamente ao "portão de embarque". No meio do caminho, as marcas parceiras da Fifa têm direito a um estande comercial, para venda ou demonstração de produtos e serviços. A exemplo do que acontece em um aeroporto, os preços são proibitivos.

“PADRÃO FIFA” (2)
De Rossi disse que o Maracanã está muito “europeu”. Sim, é verdade. Não é mais o mesmo estádio de antes; é, isso sim, igual a todos os outros. Perdeu tudo o que o tornava diferente. Você olha, olha, olha... e não consegue reconhecer o que antes existia ali.

ACESSOS 
As tradicionais rampas do Bellini e da Uerj continuam lá. Passaram por uma reforma, mas a essência é a mesma. Em paralelo, foram erguidas novas rampas de acesso para facilitar a entrada e saída dos torcedores. De modo geral, os acessos abaixo de cada setor também ficaram melhores.

A NOVA COBERTURA 
Fiquei, é evidente, do lado onde ficava a torcida do Vasco. Por ali, como se sabe, nunca entrou sol – porque ele batia exatamente do outro lado, na torcida do Flamengo. Acontece que a tal nova cobertura (de um material que eu não sei precisar), tem frestas na sua parte mais baixa e o sol agora vem por trás. É só uma constatação, ok?

NUMERADA
Não há mais divisão lógica entre os setores. Quando o estádio voltar para nós, os torcedores, não vai ficar tão evidente onde começa e termina a arquibancada. Há, isso sim, números e mais números, com uma ordem que eu nem quis compreender. Mas o que se via, antes e mesmo durante o jogo, eram pessoas reclamando com outras pelo lugar marcado, gente se levantando para desocupar as cadeiras e atrocidades do tipo. “The horror, the horror...”

O PÚBLICO 
É o que existe de pior nessa nova fase do Maracanã. Você olha para todos os lados e não consegue reconhecer o público do futebol. Não é apenas uma questão de condição financeira, mas de como as pessoas veem o futebol. É uma gente que não pertence àquele lugar, e isso fica evidente na conduta durante o jogo, no discurso, nas reações, nos mínimos detalhes. É uma gente que vê o futebol como se fosse uma brincadeira. Há os puramente idiotas - são muitos - mas os que realmente incomodam são aqueles que querem aparecer: fazem comentários imbecis, resolvem puxar gritos idiotas, apelam para todo tipo de cretinice.

QUER ROLA, SEU PUTO?
Entra em campo Balotelli. Babacas querem aparecer: "Balotelli viaaadoo!". Por quê? Para fazer graça, só para isso. Na sequência, o mesmo babaca se levanta e puxa o grito: "Ola, ola, ola". Senhores, acreditem: parecia mais "Rola, rola, rola". Tamanha era a animação do imbecil (que depois conclamava para o restante do público: "Vem, vem, vem") que eu não me surpreenderia se fosse isso mesmo. Mas, claro, o viado é o Balotelli. Cena deprimente.

OS CLUBISTAS
Camisas de clubes eram maioria no estádio. Do Flamengo, em especial. Mas SCCP e Palmeiras vinham na sequência, em grande número, mais até que a dos outros clubes cariocas. De tempos em tempos, ouviam-se manifestações clubísticas, do rubro-negro carioca em especial. Houve momentos em que foram entoados alguns cantos tradicionais, logo sufocados pelos rivais. No entanto, o "Mengo" se confundia com o "Mexico" dos hermanos lá de cima. Os gritos em favor da Italia eram mais nítidos.

PROMISCUIDADE
Não havia divisão de torcidas, e então não se tinha um cenário promíscuo, com camisas de clubes rivais lado a lado e uma infinidade de uniformes de clubes do exterior e de selecionados os mais diversos.

ORGULHO?
Até que surge algum otário para puxar o indefectível "Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor". Pronto, a derrota está consumada. Nada pode ser tão grotesco.

SEM FOTOS 
Não há fotos, é evidente. Não fiz nenhuma. Seria muito mórbido.

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Por ocasião desse meu texto aqui, tudo o que eu sabia sobre o "novo" Maracanã se devia ao relato de amigos e às imagens. Agora que vi tudo com meus próprios olhos, preciso concluir assim:

O Maracanã vai receber mais dois jogos da Copa das Confederações e depois outros seis da Copa do Mundo (procede a informação?). Durante o próximo ano, portanto, ele será entregue a esta entidade nefasta que é a Fifa e a este público de auditório que o tomou de assalto. Não adianta muito lutar contra isso, ao menos não agora. Ao final disso tudo, no entanto, o que restou do Maracanã será devolvido a quem de direito, ao torcedor de futebol, e então é questão de tempo para que ele seja reconstruído (ao menos sob o ponto de vista da moral e dos costumes a ele pertencentes). O primeiro Vasco x Flamengo haverá de restabelecer a ordem vigente, das torcidas entrando cada qual pela sua rampa e ficando cada qual de seu lado, das faixas sendo penduradas, dos torcedores em pé e onde bem entenderem e assim por diante.

16 comentários:

João Paulo disse...

Meu primeiro jogo de seleção em 20 anos de estádio e posso dizer que foi uma das experiências mais deprimentes que tive... só valeu pela viagem até o Rio e pra matar a saudade do (que restou do) Maraca. Teve uma hora em que palmeirenses agitaram a bandeira lá embaixo e logo alguns entoaram o grito de segunda divisão. Não me contive e tive que levantar, bater no peito, xingar e chamar pra porrada todo aquele bando de alienados felizes por brincar de ola...

Luan disse...

assassinaram o Maracanã. isso é fato.


Barneschi, talvez você já tenha visto, mas ta aqui, vídeos de quase toda a campanha do Paulista/93:
http://palmeiras.com.br/paulista93/jogos/

Milani disse...

Tive experiência parecida, pra não dizer igual. Brasil e Chile no Mineirão. Mesmo cenário, público, atitudes e discursos.

Fui, mas, não tinha alma. Não a do bom e velho Mineirão!

Abs.

Vinicius Leite disse...

Caro Barneschi, a minha pergunta é: Como era o rango vendido dentro dessa aberração?

Nas ruas vc chegou a ver alguma barraca vendendo um suculento sanduíche de pernil.
E a famosa churrascaria do povo? Com os saborosos "Inspetinho à 2 real" dos tiozinho?

Rodrigo Barneschi disse...

Vinicius,
Olha, cara, tinha lá o biscoito Globo a R$ 5 (custa R$ 2 nas praias), um salgadinho semelhante ao Doritos (não me lembro o preço), hot dog a R$ 8 e pipoca a R$ 10. Eu sinceramente não me lembro do resto, porque nem me interessei pelas opções.
Do lado de fora, não havia espaço para mais nada. As imediações foram fechadas horas antes e ninguém chegava perto.
Para tomar cerveja ou comer algo diferente do vendido lá dentro do estádio, apenas a 1km do estádio, nos bares de sempre.

Anônimo disse...

Não é só no Maracanã q veremos essas 'aberrações'. Dêem uma olhada nisso:

http://www.gazetaesportiva.net/noticia/2013/06/palmeiras/por-divida-nobre-promete-ingresso-caro-e-quer-so-avanti-no-estadio.html

ivo gazabim disse...

não vai comenta sobre os protestos porra

só essa merda de futebol futebol futebol

que raio de brasileiro voce é cara

Anônimo disse...

Privilegiado de ver um jogão desses, Balotelli ao vivo e fica reclamando tanto assim mano. Quantos anos você tem? 74? Só reclama cara.

Anônimo disse...

e os protestos????

reclamou tanto do novo maracana mas foi lá conferir....

ao inves de ajudar nos protestos em sp....

Anônimo disse...

Boa noite a todos, PARABENS BARNESCHI, você resumiu o já designado homicídio do futebol de raiz, o ex estádio do maracanã , hoje tem uma sombra empobrecida do que se tem em retorno aos idiotas que amaldiçoaram o futebol moderno, para torna-lo uma ferramenta em mãos corruptos , mas há um problema na ``nova´´casa Palmeirense, o que você presenciou no ex maraca, teremos na ALLIANZ PARQUE, que tem o papel de tornar ``viavel´´, financeiramente o ``investimento´´, da WTORRE, que estará descaracterizando o velho e saudoso Palestra Itália, mas creio que possamos impor pelo movimento , ARQUIBANCADA LIVRE, o retorno do torcedor que realmente convive com o futebol, em sua raiz autentica!
Claudio Longo !

Unknown disse...

Forza Verde, ele quer ter um público leal ao lado do time, se esse público será um público de futebol ou de teatro só Deus saberá.

Anônimo disse...
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CASSELLl disse...

Vou ao RJ mensalmente e só de passar em frente e nas adjacências já dá ânsia.

José carlos disse...

Acompanho o blog ha muito tempo e posso dizer que aqui eh a resistência contra o futebol moderno. Mas barneschi, vc sempre se posicionou, reclamou contra a copa, fifa, cbf, padrão elitizado etc e depois foi o primeiro a entrar no novo Maracanã? Sem contar que vc contribui com esses gangsteres que mataram o futebol, comprando ingresso , prestifgiando o evento dos mauricinhos e com outras coisas. Meio contraditório, mesmo sendo a azurra em campo.

Rodrigo Barneschi disse...

José Carlos
A contradição reside, por exemplo, no ato de abrir mão de algo que nos pertence para um bando de alienígenas idiotas. O futebol pertence ao povo e para o povo voltará. Não será assim durante a maldita Copa do Mundo, é verdade, mas voltará depois. Agora, veja bem: eu só posso escrever um post como este, com todos os detalhes, se efetivamente comparecer ao estádio e ver como as coisas acontecem in loco.
Contradição existiria se eu me comportasse como essa corja alienada. Se eu ficasse sentado em um lugar numerado. Se eu aceitasse de bom grado o assassinato do Maracanã. Se eu compactuasse com isso tudo que está em curso.
Faço a minha parte com o blog. E entendo que é preciso viver as coisas para poder falar com propriedade.

José carlos disse...

Opa, entendi a resposta. Acho meio difícil o futebol voltar para o povão, pelo andar da carruagem. Entendo que para falar com propriedade é preciso viver, entender a realidade, conhecer de perto, aliás é isso que falta aos demais jornalistas de estúdio, que comentam e criticam as torcidas e o futebol de um modo geral com um ar de superioridade sendo que NUNCA jogaram bola, frequentaram um estádio ou sofreram por um time. Justamente por isso, pq eles não sabem como as coisas realmente funcionam. Acho que é meio subjetivo, tem pessoas que viajam o Brasil, vão para o Ceará, BH, RJ pagam uma fortuna em um ingresso para assistir um jogo e acabam não gostando da experiência, mas estas querem vivenciar o novo momento (ruim) do futebol brasileiro e tem a curiosidade de saber como é esse novo padrão fifa, os estádios modernos etc. E tem outras que não querem chegar nem perto dessas aberrações, que não vão desembolsar um centavo para contribuir com essa palhaçada toda (meu caso, por exemplo). Bom, cada um tem sua opinião, o importante é resistir a tudo isso.
valeu