15 janeiro 2009

Estatuto de qual torcedor?

O blog do Claudio trouxe ontem um texto preciso sobre a mais recente iniciativa bizarra dos homens que comandam o futebol neste país. Eis que teremos agora uma reformulação de algo que nunca foi sequer formulado, o tal Estatuto do Torcedor. Em linhas gerais, minha opinião vai ao encontro da que é exposta no texto abaixo, de tal modo que eu tomo a liberdade de plagiar o título do japonês e deixo para fazer breves comentários ao final.

Estatuto de qual torcedor?

Sancionado em 2003 pelo Governo Federal, o Estatuto do Torcedor foi criado para defender os direitos dos freqüentadores de estádio. Partindo do pressuposto de que o torcedor é um cliente, regras foram estabelecidas e normas foram criadas para, supostamente, dar jurisprudência a uma série de medidas contra clubes e federações, com extensão a seus respectivos dirigentes. Seis anos depois, o troço ganha agora uma
reformulação que pretende ampliar seu viés restritivo. Em nenhum momento, porém, são levadas em conta as necessidades daqueles que não enxergam sua ida ao jogo como um passeio ou um produto, mas sim como uma prazeirosa obrigação moral.

Apesar das regras rígidas na teoria, a prática mostra que federações, clubes e até quem realmente manda no futebol brasileiro - ou seja, a Globo - não cumprem tal estatuto. Quer dizer, não cumprem a sua essência, que é o respeito ao dito "cliente". Horários esdrúxulos, ingressos a preços surreais, manutenção dos esquemas que beneficiam cambistas, entre outros, são práticas ainda muito comuns. Além disso, há o detalhe precioso, para não dizer pernicioso: o documento considera que a violência nos estádios está exclusivamente vinculada às torcidas organizadas.

A reformulação, ao menos, tem um ponto positivo no que tange aos cambistas. Está prevista a prisão para quem negociar ingressos acima do preço de tabela. Também é possível citar a penalização para manipulação de resultados como ganho a ser comemorado. Agora, vamos aos absurdos.

As organizadas serão responsabilizadas pelos atos criminosos de seus associados, e aí a gente volta para aquele erro de premissa organizadas=violência. Como uma organização social de massa pode ser condenada por um ato ilícito de um de seus membros? Parte-se de uma generalização preconceituosa cujo significado é o mesmo que dizer que o MST só tem vagabundo, comunista come criancinha, preto é tudo ladrão e mulher só serve para cuidar da casa. Que as torcidas respondam por invasões de campo ou brigas nas arquibancadas tudo bem. Porém, não dá para repassar a gerência da segurança pública em dias de jogo para as organizadas. Isso é função da polícia.

O pior, no entanto, vem agora: teremos bafômetros nos portões, e aqueles que tenham ingerido bebidas alcoólicas em excesso poderão ser impedidos de entrar. Qual é o critério? Por que, novamente, se quer
criminalizar a cerveja? Não há provas concretas de uma relação direta entre ficar bêbado e partir para a porrada. E qual seria a constitucionalidade dessa medida?

Ao invés de valorizar essa tendência proibitiva, o governo deveria ir para cima de quem realmente prejudica o futebol. Não permitam que os jogos tenham início depois das 21h. Montem sindicâncias contra esquemas de cambistas, lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Criem mecanismos protecionistas para evitar a venda precoce de atletas ao exterior. E, antes de fazerem qualquer estatuto, promovam uma audiência pública a fim de escutar a opinião do verdadeiro torcedor. Aquele que, faça chuva ou faça sol, bate seu cartão e paga caro para ver seu time de coração.


***

Fato é, meu caro amigo, que estamos cada vez mais sozinhos nesta batalha. O quadro geral de alienação, já citado no post anterior, faz com que as pessoas, pobres delas, se deixem levar pelo discurso construído dia após dia por uma mídia esportiva que deixou de lado todo e qualquer sinal de decência.

O levantamento mais recente do Cruz de Savóia é bem emblemático. Claro que trata-se de outro tipo de manipulação, não tão sutil, mas que sabidamente conduz ao desfecho esperado por esta gente. Vejamos aqui, do início ao fim: 1A, 1B,
2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8.

Sigamos em frente, pois focos de resistência são necessários.

No que diz respeito ao tal Estatuto, reforço suas palavras. Não quero ser tratado como cliente, pois eu me dedico ao meu clube por amor e não por oportunismo. "Torcedor" é aquele que torce, e não aquele que compra. De toda forma, ainda não vi nenhum torcedor ser tratado como cliente, que era a premissa da coisa.

O pior de tudo, vejam só, é que o Palmeiras pode acabar renovando o contrato com a BWA. Com a BWA, acreditem! Tendo em vista isso, deixo aqui mais um link, este compilando uma série de absurdos já cometidos pelos irmãos Balsimelli contra o torcedor de futebol.

Para finalizar: nenhuma lei, por bem intencionada que for - e não é o caso aqui -, terá validade enquanto
uma empresa como a BWA puder fazer seus negócios e enquanto a emissora de TV continuar a empurrar seus horários cretinos para satisfazer a alienação dos que se deixam levar por BBBs da vida...

13 comentários:

Craudio disse...

Como falamos, o processo é idêntico ao estabelecido na Inglaterra há duas décadas, e muito bem descrito no livro "Febre de Bola". Incrível são as semelhanças no modus operandi, e sobre a brilhante obra do Nick Hornby eu farei um texto assim que acabar de ler.

Reitero, por fim, que essas coisas sempre saem das cabeças de quem nunca ou raramente pisou num estádio e se vê no direito de achar o que é bom e ruim para nós.

É um bando de Flávio Prado, resumidamente.

Nicola disse...

Assino embaixo... A tal alienação que você cita explica muita coisa, gente achando que os estádios no Brasil tem que ser elitizados como na Europa, defendem isso e na prática o que vemos é um tratamento pior que aquele considerado "inferior" por esses manipulados pela mídia vendida.

Bem que as organizadas do Palmeiras poderiam protestar contra essa absurda possível renovação de contrato com a BWA. E uma piada essa história de creditar a violência nos estádios exclusivamente às organizadas, ao que parece, o primeiro passo para a elitização...

Anônimo disse...

e o torcedor nunca eh consultado....

Seo Cruz disse...

HAHAHA!!!! Juro por Deus que quando meti meu post (lá pras 23:00) não tinha lido naaaaada na Mídia Verde. E aí descubro que vc tinha emplacado esses dois posts! Tô cagando de rir de mim mesmo, aqui.

Esse o Grande Barneschi!

Anônimo disse...

Tudo o que torcedor quer é conforto....

Anônimo disse...

Conforto é a última coisa que um torcedor de verdade quer.
Sujeito lê tudo isso e depois afirma uma coisa dessa...

ARQUIBANCADA!!!

Rodrigo Barneschi disse...

Alessandro,
Numa boa: quem é esse torcedor que quer conforto?

Nicola disse...

Quer ter conforto, assista ao jogo no sofá de casa, simples...

Vitor dos Reis disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Vitor dos Reis disse...

Realmente, como disse o Claudio, essas coisas saem da cabeça de quem nunca pisou num estádio(há não ser para ver o show da Madona)

Bafômetro na porta dos estádios?! Era só o que me faltava, e por quê não em entradas de shows,cinemas, teatro,etc..Já que para esses cabeças de bagre,todas essas coisas são apenas "eventos" pra "divertir" o público.

Esse ESTATUTO DO TORCEDOR deveria se chamar "ESTATUTO DOS SIMPATIZANTES DO FUTEBOL"


Abraços,

Anônimo disse...

eu quero conforto. E acho q vcs tambem... se nao, naop deviam reclamar de nada

Rodrigo Barneschi disse...

É a velha história:

Quem vai ao estádio atrás de espetáculo, está no lugar errado. Deveria ir ao circo.

E quem vai ao estádio atrás de conforto, também está no lugar errado. Deveria ir ao cinema ou então ficar em casa mesmo. É muito mais confortável.

Só não venham encher o saco depois.

Seo Cruz disse...

Eu quero é ficar de pé no cimento gritando pelo meu time. Quando quero conforto, fico no meu sofá vendo jogo de outros times.