09 agosto 2009

Javari, onde vive o futebol


Arenas multiuso, padrão Fifa, cadeiras no lugar do cimento, futebol como bizines ou entretenimento, Copa-2014 no Brasil, calendário europeu, pontos corridos, futebol moderno. O discurso empolado dos que dizem gostar de futebol sem ir a estádios é desprezado por este blog. Não é por nada, mas isso tudo que é dito pelos deslumbrados de plantão em nada se assemelha ao futebol como eu conheço.

Porque eu não troco nenhuma moderna arena pretensamente européia por uma tarde de sábado na rua Javari, no coração da Mooca. Porque o futebol não se presta a interesses comerciais de quem vende sua alma por pouco (ou por muito, que seja). O futebol, manifestação popular por definição, não combina com as modernidades apregoadas nestes nossos tempos tão restritivos – e chatos.

O futebol vive um pouco mais enquanto existir um Clube Atlético Juventus na Mooca e enquanto o histórico estádio Conde Rodolfo Crespi resistir aos anseios de modernidade e mesmo à especulação imobiliária que tem loteado a vizinhança com enormes condomínios.

Foi um pouco sob este clima de saudosismo que pudemos aproveitar a tarde de ontem no Juventus 1 x 0 Palmeiras B, válido pela Copa Paulista/2009, torneio organizado pela FPF para manter em atividade os clubes do interior. O placar veio sob medida. O jogo em si foi ruim demais, mas isso não passa de detalhe.


Chega-se à rua Javari, depois de uma passagem pelo que restou do Cotonifício Crespi, e o clima é bucólico, quase como se não estivéssemos a tão poucos metros de importantes e movimentadas avenidas da zona leste. Na boa, velha e italianíssima Mooca, o tempo parece ter parado. E é um pouco isto que faz deste um lugar tão único.

É sintomático que o ingresso (a R$ 10/ R$ 5 para estudantes) ainda seja de papel, como era também nos grandes estádios até a primeira metade dos anos 90. Ainda mais significativo é a ausência de catracas ou de sistemas informatizados. Você passa pelo bilheteiro, ele destaca uma parte do ingresso e deposita o canhoto em uma caixa antes destinada a copos de água mineral.


Onde alguns vêem decadência e atraso, eu vejo algo que está em falta ao futebol e ao mundo: alma. Na Javari, tudo é assim. Só lá uma bola é chutada para fora do estádio e cai no quintal de uma casa, para voltar logo depois, provavelmente devolvida pelo tiozinho que, morando ali há décadas, já se acostumou à situação.


Na Javari, o alambrado tem buracos e são eles que permitem que o bandeirinha passe os 90 minutos recebendo a pressão da torcida a poucos centímetros de distância. O de ontem, um tal de Jumar Nunes Santos, sofreu como nunca...


E aí tem nego que vem me falar nas vantagens de uma arena multiuso e de cadeirinhas no lugar da arquibancada. Porra, quer mais vantagem do que um buraco no alambrado e um acesso assim privilegiado para xingar o bandeirinha safado?


Sim, é antiquado, é ultrapassado, é anacrônico, é arcaico. É tudo isso, e ainda mais. Mas é lá que vive o futebol...



***

*Registro aqui o agradecimento aos amigos e amigas que compareceram à rua Javari na tarde de ontem - o pós-jogo, com Brahmas a R$ 3,50 nos botecos da Mooca, foi tão bom quanto o jogo em si. Fica também um agradecimento especial ao amigo Luiz Pattoli, juventino que não nos deixou passar a tarde de sábado na Javari sem os tradicionais canoles que só são servidos ali.

*Informação útil sobre o jogo de ontem:
Renda: R$ 5.035,00
Público: 725 pagantes

***

Atualização relevante (às 21h)

O Júnior havia comentado sobre um curta que resume bem o pensamento dos torcedores de arquibancada: "Ódio eterno ao futebol moderno". Pois bem, em resposta a este post, recebi hoje um email do Rafael Municelli, que também mencionou este curta, idelizado por amigos dele. Percebi então que era o caso de fechar o post com um pequeno serviço, incluindo cartaz, trailer e blog do filme.

O cartaz


O trailer

O blog

ÓDIO ETERNO AO FUTEBOL MODERNO!

19 comentários:

Craudio disse...

Que beleza! Que beleza!!!

João Medeiros disse...

Porra Barneschi, que texto meu velho. Experimentei esse sentimento há uns poucos dias atrás quando nosso querido America, agora disputando a segundona do Rio, jogou em Figueira de melo contra o simpático São Cristóvão. O elevado que dá acesso a Linha vermelha, lugar privilegiadíssimo para assistir o jogo, estava lotado de carros parados, ao ponto de obrigar a CET-RIO a interditar o acesso ao elevado. O jogo em si? Uma pelada, na verdade. Mas quanta alma!!! Me lembrei dos meus tempos de infância quando, por várias vezes, fui assistir o meu VASCO jogar contra o Bonsucesso, Madureira entre outros. Bons tempos.
Viu a entrevista do Belluzzo? A amizade VASCO-PALMEIRAS ganhou mais um representante. Isso me enche de orgulho amigo. Orgulho sincero. Reproduzo abaixo um pequeno trecho da entrevista:

Desde então, São Paulo vence por 8 a 2. Onde o equilíbrio se quebrou?

BELLUZZO: Tem a ver com a relativa fragilização do Rio, que foi progressiva e uma concentração grande da capacidade financeira de São Paulo. Os cariocas demoraram a se ajustar à nova situação, essa diferença reproduz o que está ocorrendo no mundo. Temos que pensar em como reequilibrar isso. Morei no Rio e estudei quatro anos no Santo Inácio. Por conta do garçom do seminário, eu me tornei vascaíno lá. Não há nada mais fascinante do que o Maracanã num domingo.

Abração e parabéns pela campanha do Verdão.

Mônikita disse...

A Mooca é assim msm ... um bairro que tem alma propria.
Os jogos na Javari remetem a esse futebol de coração, de alma, de historias contadas por gerações.
É um bairro tb que graças a Deus tem pouco bambi ... reina os palmeirenses e corinthianos de familias quatrocentonas do bairro.
É gostoso conhecer o jornaleiro palmeirense, o padeiro corinthiano ...
É gostoso entrar dentro do clube social no Juventus e ver a molecada do bairro com camisas do Corinthians, Palmeiras, Juventus tudo na harmonia natural e sadia de uma rivalidade que passa de Pais para filhos.
Eu sou corinthiana, meu vizinho palmeirense e assim vai ... o jornaleiro já sabe pq me conhece há anos que qdo o Corinthians perde não compro jornal ... só passo e falo oi...
Brincamos sempre, mas qdo sei que o coração palestrino dele está doido, passo compro meu jornal e nada falo...
Qdo meu time perde, como foi o ultimo derby, ele somente me diz:
Oi Monica bom dia e nada mais...
Entrar na padaria pra comprar pão e já ouvir:
OI CORINTHIANA...
Essa é a Mooca,esses são os personagens de um bairro onde a tradição, a rivalidade sadia e o amor ao futebol caminham lado a lado.

Abraço.

Rodrigo Barneschi disse...

E viva a Mooca! Sempre!

João
Grande relato o seu! Os times do subúrbio do Rio têm essa mesma alma do Juventus da Mooca e é uma pena que tenham sumido mesmo em se tratando de Campeonato Carioca.

A propósito: no sábado vamos ao Canindé para empurrar o Vasco contra a Lusinha. Depois saímos direto para o Palmeiras x Botafogo no Palestra. Rodada dupla no sábado. Se vier a SP, a gente se fala no Canindé...

Abraços

Daniel disse...

que belo texto!!!!!

mooooca é mooca e o retso é bosta

Rodrigo Barneschi disse...

É necessário contextualizar: fiz meu TCC na faculdade de jornalismo sobre a Mooca. Foi um livro-reportagem e o Juventus ganhou um capítulo especial. Por isso é sempre bom voltar a Javari e visitar o meu bairro vizinho. Tardes como a de ontem apenas fortalecem isso.

betobov disse...

Grande Barneschi, você conseguiu traduzir tudo o que sentimos na gloriosa tarde de sábado. Parabéns pelo belo texto, como não poderia deixar de ser, eu escrevi sobre a javari no Palestrinidade, mas você matou a pau.
Ainda mais depois do contraste vivido por nós pelo nosso evento noturno.
Grande abraço,
Beto.

Mônikita disse...

Poxa que legal, gostaria de ler esse TCC.

Boa semana

Craudio disse...

Sério que a Mooca é vizinha de São Caetano?

Rodrigo Barneschi disse...

Tem a Vila Prudente entre a Mooca e o ABC, japonês. Mas o senhor bem sabe que eu me referia mesmo ao grande Ipiranga.

Zoinho centro/sul disse...

Outra coisa que me deixou bem nesse jogo foi a presença do Presidente Belluzo.
Porra enquanto tinhamos que aguentar o Musgamba comprando carne para churrasco em pleno Palmeiras X Lixos, nosso presidente agora vai em um sabado a tarde acompanhar de perto o time B.


Abraços

Zoinho centro/sul

Álvaro disse...

Belíssimo texto! Parabéns!

Que bom que a gente ainda respira um pouco disso em Sampa.

O que mais sinto saudade: da minha cerveja quente no Pacaembu!

Ódio eterno ao futebol moderno.

Nicola disse...

Excelente post! É uma merda mesmo terem tornado o futebol refém desse monte de frescuras... Criem uma lei, jogador brasileiro só pode ser vendido pra time europeu (ou árabe, da ásia, que seja) depois dos 25, e jogando lá, não pode atuar pela seleção. Pronto, os clubes deixam de ser escravos e passam a se preocupar com o próprio clube, time, torcida.

Mas tem muito esquema com empresário, CBF, mídia, nem fodendo que um dia vão fazer isso... Porque que no geral, quem comanda os clubes hoje não tem coragem pra bater de frente com essa cambada de mercenários, ou pior, não tem vontade. O Belluzzo por exemplo, que é um grande cara, quer terminar o mandato dele e sair fora, tamanha sacanagem que é esse meio de futebol.

Na minha visão, está tudo relacionado a isso, inclusive a elitização nos estádios. Até sábado mano, abs

Giovanna C. disse...

Rô, como eu disse no sábado: 5 reais é pouco! Só o futebol que deixou a desejar, mas o passeio está classificado como "cultural", pura e simplesmente. Adorei tudo e todos, principalmente a proximidade do bandeirinha. Com essa pressão não existira trio de arbitragem valente o suficiente pra roubar o Verdão! Rs
Beijos

Filipe disse...

Palestrino, mais um texto referência. Obrigado!

E concordo com o Nicola, nas considerações que fez. Principalmente na proposta de Lei que fez.

Foda-se esse futebol moderno de merda!!!

Luiz Pattoli disse...

Belíssimo texto! Apesar de tudo, a Javari resiste.

Anônimo disse...

Assistir um jogo na Rua Javari é uma experiência única. Você xinga o adversário e ele te ouve. Você xinga o bandeira, o juíz e eles te escutam. No intervalo você come um canoli e dá uma volta por todo o campo pra esticar as pernas.
O ar de saudosismo nos faz crer que o futebol como foi criado não morreu.

Belo texto. Na Javari é onde vive o futebol.

Renata Mielli disse...

Rô, parabéns, texto belíssimo. De grande sensibilidade. Ele mostra que apesar de tudo ainda há esse futebol de alma, de coração, que nem tudo virou um grande negócio. Sobre o filme, Juventus Rumo a Tóqui, ele estréia amanhã no festival de curtas. Eu e o Van vamos marcar presença, até porque um dos diretores é amigo do Vandré, então vamos prestigiar. bjs

Baresi1981 disse...

Aqui é um mooquense tricolor, Monikita, e pau no seu cu.