25 março 2010

Os mentirosos

Marco Polo Del Nero, o presidente da FPF, tem se portado como capacho da família Marinho. A escolha é legítima; qualquer imbecil tem o direito de se expor ao ridículo ou de se submeter aos interesses escusos de quem quer que seja. No caso específico da discussão sobre a lei que proíbe jogos de futebol na madrugada, FPF e Globo se associaram para defender o indefensável. De novo: é legítimo o direito à defesa. O que não se pode aceitar é que, na ausência de argumentos pertinentes, Del Nero e Marcelo Campos Pinto, diretor executivo da Globo Esportes, passem a manipular números e informações para criar uma mentira. A verdade é uma só: Del Nero e Campos Pinto são mentirosos. 

Há uma semana, este blog questionou o silêncio e a omissão pública da emissora de TV. Desde então, tivemos algumas manifestações formais, e elas todas revelam desespero, despreparo e, o pior, desonestidade. É necessário então desmontar as mentiras da dupla Del Nero/Campos Pinto. Para tanto, vamos nos ater a duas matérias, publicadas por Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo. 

Ao desmonte: 

1. Folha de S.Paulo, 18 de março de 2010:
Outro Canal - Ilustrada

Pesquisa diz que torcedor quer jogo às 21h40


Pesquisa da Federação Paulista de Futebol mostra que as partidas das 21h40 (transmitidos às 21h50 pela Globo) são as que mais enchem os estádios. Até a 14ª rodada do Paulistão 2010, as competições desse horário representaram só 10% do total de 140 jogos, mas foram as mais cheias entre as realizadas em meio de semana: reuniram 7.573 torcedores em média, contra 2.897 das partidas ocorridas em outras faixas. A preferência, no entanto, é previsível. Esses jogos põem em campo os times melhores emais competitivos - e as torcidas mais numerosas. Esse horário -e a respectiva transmissão pela TV- terá que mudar caso seja sancionado pelo prefeito, Gilberto Kassab, um projeto de lei, aprovado pela Câmara, que proíbe a continuidade de jogos após as 23h15. A transmissão de partidas das 21h40 é a principal fonte de receita dos clubes. No Paulistão, por exemplo, o contrato de R$ 70 milhões com a Globo representa dois terços da arrecadação total do campeonato. A coluna apurou que a Globo entende como "descabido" o projeto. Tem estatísticas que confirmam a preferência do torcedor pelo evento às 21h40, mesmo com uma opção às 21h. Uma das justificativas que sustentaram a aprovação do projeto de lei foi a dificuldade de transporte para o torcedor retornar à casa após o jogo. "Por que não manter o Metrô aberto por mais meia hora?", sugere Marco Polo Del Nero, presidente da federação.

Parece até coisa comprada, mas eu acredito mais em despreparo da colunista, dado que o título não reflete o conteúdo. Aliás, cumpre dizer que a nota acima foi publicada não no caderno Esporte, mas na Ilustrada, que atinge o público que interessa à emissora de TV. Em vez de notícias sobre novelas idiotas e reality shows imbecilizantes, eis que temos um texto em defesa dos interesses globais. 

Logo de cara, somos informados de que existiria uma pesquisa dando da conta da preferência do torcedor por este horário obsceno. A mentira já reside no horário apresentado (21h40), quando o correto é 21h50 ou até 22h. E aí, de imediato, fica a pergunta: que cazzo de pesquisa é essa? Logo descobrimos que não se trata de pesquisa, mas sim de um levantamento de públicos do campeonato. São, como se sabe, coisas bem diferentes. 

Leiam a nota com atenção. Me digam, por favor, se alguns trechos não parecem escritos por algum interessado no assunto? Há frases aqui e ali que mais parecem terem vindo de algum release da assessoria de imprensa da FPF ou da Globo. O texto é até bem construído, mas nada se sustenta. A nota desmorona. 

É evidente, canalhas mentirosos, que as partidas disputadas às 21h50 terão média de público superior. Afinal, para atender aos interesses da TV, tais jogos reúnem os times grandes e têm maior apelo popular. O torcedor, portanto, é obrigado a ver os jogos nesse horário; isso é bem diferente de "preferir". Não existe relação de causa, mas de adversidade. O torcedor vai aos jogos APESAR do horário obsceno. O que resta para os horários convencionais (antes 20h30 e agora 21h) são as partidas disputadas por times pequenos, muitos deles sem casa e quase todos sem torcida. A média, é lógico, tende a despencar. 

Para finalizar, Del Nero faz o papel do idiota do Globo Esporte e tenta desviar a responsabilidade para o poder público. Que papelão. Como pode este filho da puta envergonhar tanto o nome de seu pai? 


2. O Estado de S.Paulo, 24 de março de 2010 

FPF e Globo vão à Câmara para barrar lei 

Em audiência na Câmara Municipal marcada às pressas para discutir um projeto já votado em segunda e definitiva discussão, a Globo Esportes e a Federação Paulista de Futebol (FPF) pressionaram ontem os vereadores pela alteração da proposta que impede a realização de jogos de futebol na capital paulista depois das 23h15. Marcelo de Campos Pinto, diretor executivo da Globo, chegou a dizer em plenário que clubes como Corinthians e São Paulo passariam a mandar seus jogos fora da cidade por causa da regra, o que seria pior para seus torcedores do que as partidas com final perto da meia-noite. O presidente da FPF, Marco Polo Del Nero, fez ameaça maior. Declarou que os clubes paulistas podem ser impedidos pela Conmebol de participar da Taça Libertadores a partir de 2011, por descumprimento dos acordos de transmissão de TV no País. O texto que obriga os jogos a começarem no máximo às 21h15 foi aprovado há duas semanas por 43 dos 55 vereadores e aguarda sanção ou veto do prefeito Gilberto Kassab (DEM), que ainda não manifestou sua posição. Se o prefeito não vetar a proposta nos próximos oito dias, a Câmara pode promulgar o projeto e a regra, dessa forma, entra em vigor. Nos últimos dias, porém, executivos da Globo e dirigentes da FPF têm pressionado tanto o Executivo como a Câmara pela alteração do texto. As audiências no Legislativo são marcadas sempre antes das votações dos projetos. Mas, após pedido feito por Del Nero ao presidente da Câmara, Antonio Carlos Rodrigues (PR), uma reunião aberta foi marcada para que fossem apresentados os argumentos dos dirigentes e executivos contrários à mudança. Durante quase quatro horas, houve embate entre os representantes da Globo e da FPF com os vereadores. Segundo o diretor executivo da Globo Esportes, os jogos realizados às 21h45 nos dias de semana registraram em 2009 média de público de 23.787 pagantes, superior à dos jogos realizados às 21horas, de 17.911. "A plasticidade dos estádios cheios também nos interessa, dá credibilidade à TV, que representa o estádio infinito. Por isso há uma imperiosa necessidade de que sejam mantidos os jogos às 21h45", argumentou o diretor. Marco Polo Del Nero disse que, caso os clubes desrespeitem as regras de transmissão, não poderão participar da Libertadores no ano que vem. O tom de ameaça do executivo e do dirigente causou mal-estar e momentos de tensão no plenário. "Na base do tapetão, estão tentando uma prorrogação que não existe. O projeto já foi votado, está nas mãos do prefeito", bradou o vereador Adilson Amadeu (PTB). Apesar da pressão, o Legislativo descartou por enquanto elaborar novo projeto. Presente na audiência, o secretário municipal de Esportes, Walter Feldmann, disse que Kassab ainda não decidiu se vai vetar a iniciativa da Câmara. 

Vê-se que, depois de todo o silêncio, Globo e FPF, em conluio, resolveram pressionar os vereadores para mudar a lei - já aprovada duas vezes. O mais interessante dessa matéria do Estadão (muito boa, por sinal) é notar toda a falta de escrúpulos do diretor da Globo Esportes e de seu capacho. Sem argumentos, eles partem para o confronto mesmo, para um jogo de poder financeiro que demonstra o nível dos envolvidos. Vale destacar alguns pontos que nem podem ser chamados de argumentos: 

A ameaça: "Marcelo de Campos Pinto, diretor executivo da Globo, chegou a dizer em plenário que clubes como Corinthians e São Paulo passariam a mandar seus jogos fora da cidade por causa da regra, o que seria pior para seus torcedores do que as partidas com final perto da meia-noite."
Dispensa comentários, não? É quase como se ele dissesse para aceitarmos a merda como está; em caso de contestação (ou de uma lei, como no caso agora), tudo pode piorar. 

A bravata: "O presidente da FPF, Marco Polo Del Nero, fez ameaça maior. Declarou que os clubes paulistas podem ser impedidos pela Conmebol de participar da Taça Libertadores a partir de 2011, por descumprimento dos acordos de transmissão de TV no País." 
O capacho só pode estar de brincadeira. Será que ele pensa que alguém vai acreditar nessa pataquada? Será que ele pensa que todo mundo é idiota? 

Na sequência, o diretor da Globo Esportes se utiliza da mesma arma suja de Del Nero e manipula os números da temporada passada. E é claro que os jogos das 21h50 teriam uma média de público maior: tem Libertadores, Copa do Brasil, clássicos do Brasileirão etc. Os jogos realizados às 21h50 são aqueles que atraem maior público. APESAR do horário, é bom frisar. As médias são facilmente infladas e fica muito fácil exibir qualquer tipo de número favorável. Vale aqui o que já foi observado anteriormente: isso não é preferência; o que acontece é que, devido à importância dos jogos, o torcedor é obrigado a enfrentar os jogos de madrugada. Se os duelos acontecessem às 20h30, a média seria ainda maior. 

E aí, para fechar com destaque, eis aqui mais uma declaração estapafúrdia do dirigente global: "A plasticidade dos estádios cheios também nos interessa, dá credibilidade à TV, que representa o estádio infinito. Por isso há uma imperiosa necessidade de que sejam mantidos os jogos às 21h45" 

Dá pra acreditar nisso? 

*** 

A nota da FSP fala em "pesquisa", certo? Pois bem, a verdade é que nunca se fez uma pesquisa para identificar a preferência do torcedor (sobre assunto nenhum, menos ainda sobre este do horário). Em sendo assim, este blog, muito humildemente, tomou a liberdade de fazer no post anterior a seguinte pergunta: "Torcedor, você prefere o futebol às 21h50? Sim ou não?" 

O torcedor, claro, deu a sua opinião. Em um dia, foram 61 votos. Desses, 60 responderam não, quase sempre com uma contundência semelhante à que é vista neste blog. O único internauta que não fez essa opção claramente deixou um voto enigmático: não chegou a ser um sim; foi um "eu não me importo". É bem diferente. No entanto, com enorme boa vontade e para não humilhar demais os senhores Del Nero e Campos Pinto, considerei como sendo um sim. 

Ao final, eis o resultado da PESQUISA
SIM: 1 
NÃO: 60

E aí: alguém da mídia, além da Jovem Pan, vai tomar partido na história? Alguém vai se preocupar com o torcedor? Este blog faz a sua parte; pena que não parece ser o suficiente. 

*** 

"Febre de bola", páginas 55 e depois 57 e 58: 

"Aquela tarde em Derby foi pior do que a maioria. Houve confusão antes e durante o jogo, a intervalos esporádicos, e embora eu estivesse na parte baixa da arquibancada, escondido no meio da criançada que fora com os pais, tive medo - tanto medo que na realidade fiquei dividido quanto a uma vitória do Arsenal. Um empate já estaria de bom tamanho, mas daria até para aguentar uma derrota e a eliminação da Taça, se isso significasse voltar à estação de Derby sem que nada de desagradável acontecesse com a minha cabeça. É em momentos assim que os jogadores têm mais responsabilidade do que pressentem ou percebem; em todo caso, esse tipo de percepção não era das qualidades mais óbvias em Charlie George." 

(...) 

"Foi culpa de Charlie. Um gol - por razões que exigiriam um livro inteiro só para serem explicadas - é um gesto de provocação, principalmente quando as arquibancadas já estão banhadas numa espécie de meia-luz de violência como estavam naquela tarde. Eu sabia que Charlie era um profissional, e que se a oportunidade de marcar se apresentasse ele não deveria levar em consideração a nossa segurança. Até aí tudo bem. Mas era absolutamente essencial comemorar correndo para os torcedores do Derby, uns skinheads que rosnavam, nos xingavam de bichas sulistas, debochavam de nosso sotaque cockney e usavam biqueiras de aço nas botas? Era na companhia deles que teríamos de passar o resto da tarde, e pelo território hostil e cheio de vielas deles que teríamos de escafeder-nos depois do apito final! Era mesmo essencial comemorar fazendo com os dedos um sinal nada ambíguo, de vão-tomar-dentro-seus-putos-provincianos? Bom, isso já era bem mais discutível. Na minha opinião, Charlie perdeu momentaneamente todo o senso de dever e responsabilidade.Ele foi expulso debaixo de vaia e multado pela Liga; nós fomos perseguidos até o trem debaixo de uma chuva de latas e garrafas. Um brinde, Charlie."

11 comentários:

Rodrigo Barneschi disse...

Aí está o post. Não foi bem do jeito que eu queria, mas os senhores são inteligentes o bastante para ler o que dizem Del Nero e Campos Pinto e visualizar qual é o cenário de tudo isso. Eu tentei fazer a minha parte e juntar tudo isso.

Em tempo: o texto está sem edição ainda. Amanhã eu vejo.

Luiz disse...

Barneschi,

Falou tudo!

Acho legal você acrescentar ao post o discurso do Wanderley Nogueira na Câmara Municipal, ele quebra legal o Del Nero.

Parte 1 - http://www.youtube.com/watch?v=tptDP6jLRs0

Parte 2 - http://www.youtube.com/watch?v=LYwlaMHx8mg

Abraço

Unknown disse...

A Folha de S. Paulo se vendeu por nada...matéria comprada é coisa de jornalecos com Lanche! e afins...

E de dar medo aonde isso pode chegar...

Mudando de assunto, sei que vc é contra os reality shows, mas ontem no BBB tivemos a mais clara explanação do termo sub-raça alienada...confere la no @rafa208

Abs pilantra

Anônimo disse...

Tem que ser muito fdp para ir a uma audiência pública e dizer tanta asneira contra, não só os torcedores, mas também toda a sociedade. Engravatados malditos.

E ao menos nessa o Wanderley Nogueira foi muito bem. Quebrou os caras. No final deu uma escorregada com aquele papo de "torcedor-consumidor", mas tá valendo.

* * *

Lendo o texto da lei agora, vi que ela trás coisas além do horário dos jogos.

Todos os ingressos deverão ser personalizados para identificação e eventual penalização de baderneiros. Só que o texto fala também em "incitar", o que é um tanto abrangente. Alguém pode vir dizer que se eu chingar um adversário posso estar incitando a violência. Sei lá, não gostei desse ponto. Conhecendo nossas queridas autoridades...

E um ponto bom é que acaba com a quota de meia-entrada. Não tem mais essa de "Acabou a meia. Só inteira se quiser!". O texto diz que enquanto houver espaços disponíveis no estádio, deverá existir a meia-entrada para estudantes e idosos.

Craudio disse...

Esses vídeos são essenciais, pq a fala do Wanderley Nogueira desmonta toda e qualquer mentira que a Globo vem contando.

É preciso mobilização das torcidas, contra isso e contra o panetone na Copa. Podem parecer coisas distintas, mas têm tudo a ver.

Rodrigo Barneschi disse...

Obrigado pela indicação dos vídeos. Vou assistir em casa com calma e eles servirão para o próximo post.

Quem diria que a Jovem Pan seria a nossa grande aliada neste momento, hein? Quem diria?

Craudio disse...

Pois é... Mas o Wanderley não deixa de soltar uma farpa, ainda que quase imperceptível, sobre as torcidas organizadas. E também resume o interesse da JP. Diz ele: "precisamos de mais consumidores!"

Carlos Pinguim disse...

Como disseram os Stones: "you can't always get what you want".

Se eles querem passar a novela, que abram mão de passar o jogo. Se querem transmitir o jogo, abram mão da novela.

Não é o mundo que deve se curvar à grade de programação de uma rede de televisão.

Craudio disse...

Outro ponto que eu acabei de recordar e não vi ninguém levantando na tal audiência - pelo menos não vi registro: um dos argumentos da globo e da fpf diz respeito à grana que a emissora dá aos clubes como direito de transmissão. Alguém teria citado que as quantias pagas são ridículas perto do que a globo fatura com propagandas?

Rafael Perobeli disse...

Boa noite,

O W. Nogueira, que fala muita merda como comentarista, foi muito bem nessa. Uma das melhores partes "Nem todas as pessoas trabalham em grandes organizações como a FPF, cujo expediente começa as 13:00 hrs." Muito bom!!!

Belo texto Rodrigão!

Abraços

Zhu Sha Zang disse...

É, mas o Kassab vetou o projeto.