29 março 2012

Cortina de fumaça

Bilheteria do Jayme Cintra, minutos antes de Paulista 0-1 Palmeiras. Não há fila. Uma fulana com uniforme laranja da FPF se aproxima de quem deseja comprar ingresso:

"Só pode passar depois de preencher o cadastro."

"Como é?"

"É, tem um cadastro para todos os que vão comprar ingresso e entrar no estádio"
, diz ela, enquanto mostra uma pranchetinha e um bloquinho com as tais fichas cadastrais.

"E o que você quer?"

"Preciso do seu RG."

"Toma aqui."

Ela começa a anotar nome, número do documento, essas coisas.

"Pronto, posso comprar o ingresso?"

"Não, preciso terminar de preencher a ficha pra você comprar."

(...)

A fulana termina de anotar tudo e entrega o papel. Ele segue direto para outra fulana, a da bilheteria. Junto com o dinheiro. Em troca, o ingresso. O papel do cadastro fica lá. Sabe-se lá o que as autoridades competentes farão com aquele monte de folhas soltas.

Outro torcedor se aproxima. Veste uma jaqueta da Mancha. A fulana da FPF se prontifica: "Você não pode comprar ingresso com essa blusa!"

"Eu vou deixar no carro antes de entrar no estádio."

"Mas não pode. Precisa fazer o cadastro, mas as organizadas estão proibidas."

"Isso não faz sentido. Eu vou tirar o jaco antes de entrar."

"Eu só estou cumprindo ordens."

Segue-se uma discussão inócua e despropositada, como inócua e despropositada é a nova determinação da entidade presidida pelo senhor Marco Polo Del Nero.

Pula para o final do jogo.

Ingresso caro (R$ 50), horário abjeto, frio e mais o cenário todo que foi construído nesta semana: o público de 4,2 mil pessoas fica dentro do esperado, portanto. Desses poucos, 700 torciam para o time da casa e os 3.500 restantes para o visitante. Diante disso, a PM, sem qualquer notificação prévia, resolve trancar os portões da arquibancada visitante após o jogo, retendo no estádio quase a totalidade do público. "Vocês vão esperar a torcida do Paulista sair", explicam os homens da lei aos torcedores que se espremem em direção à saída. "Que torcida do Pauista, cazzo? Não tem ninguém."

Silêncio. É provável que eles próprios tivessem noção do absurdo contido naquela decisão. Não ficamos assim tanto tempo lá dentro (10 minutos talvez...), mas já era mais de meia-noite e não havia risco algum de qualquer situação fora do controle do lado externo – como nunca houve, mesmo com estádio cheio e mesmo sem todo o clima de repressão em que estava envolto o duelo de ontem.

Mas vale tudo para tentar camuflar a incompetência desmedida de quem não faz ideia de como resolver o problema.

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No pequeno espaço entre a (bastante rigorosa) revista policial e a catraca, ouve-se a conversa entre duas mulheres a serviço da corporação que deveria garantir a segurança nos estádios:

“Por que aquele cara não pode entrar no estádio?”

“Porque ele está com a camisa da organizada e ela foi proibida.”

“Por quê?”

“A briga de domingo, não viu?”

“Ah...”

(...)

“Mas e aquele outro que entrou ali?”
- aponta para um cara da TUP.

“Então, eu não sei direito a diferença, mas parece que um é da organizada e o outro é da uniformizada. São coisas diferentes.”

“E como é que eu vou saber quem é quem?”

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Chegam a ser comoventes a ingenuidade e o grau de desinformação dos jornalistas esportivos que precisam cobrir assuntos relacionados a brigas de torcida. Porque eles evidentemente não sabem do que estão falando e desandam a proferir besteiras. Vejam que eu nem estou me referindo especificamente às vozes reacionárias que ficam dentro de um estúdio fechado, mas sim aos que, de tempos em tempos, vão a ‘campo’ para tratar do assunto. Havia ontem duas equipes de TV circulando pelo setor visitante do Jayme Cintra. Todas elas com foco na Mancha Verde, com seus integrantes vestindo camisa de “luto” (mas em branco, obviamente) bem atrás do gol. A afetação dos jornalistas era um troço assombroso, como que surpresos pelo fato de a Mancha estar ali mesmo com a proibição. Ao que parece, não fazem ideia do fato de termos passado boa parte dos últimos 17 anos nessa situação: proibidos de entrar com a camisa nos estádios, mas sempre lá. Foi assim também em todos os últimos oito meses até o começo de março, mas a imprensa parece ignorar isso também, como ignora todos os absurdos na investigação em curso e também o fato de termos sido vítimas e, ainda assim, punidos por levarmos tiros da PM lá em Prudente no ano passado. É degradante o que estão fazendo com a minha profissão...

10 comentários:

Anônimo disse...

Meu caro Barneschi,
É lamentável, é triste, é inaceitável, é desalentador...O que se ouve sobre a brigas das torcidas então, só nos deixa mais desconsolados...Muito estranho inclusive que no episódio a MV tenha sido a vítima da emboscada e não há nenhum membro da GF preso.Como sempre no Brasil, desmoraliza-se a vítima! É o império, a era da mediocridade! O despreparo é geral! Em tudo, em todas a áreas! Por essa e muitas outras razões que lero seu blog é um alento. A inteligência contamina, entusiasma, motiva! Leio você e mais alguns poucos que são inteligentes, sensíveis, criativos, irriquietos, instigantes! Go ahead, meu caro. Seu blog um dos nossos únicos consolos. Forte abraço.

Valter Jr disse...

E o nosso camisa 10? Migué da porra, hein...

Abraços

Anônimo disse...

Faz o seguinte muda para europa!

André / Americana disse...

Barneschi, a revista ontem foi rigorosa mesmo.

Mas o que me chamou a atenção ontem foi entrar no estádio, uns 10 minutos antes do jogo começar, e ver como a mancha cantava forte, pulava...não sei, posso estar viajando, mas o fato de estarem de luto parece ter feito muita diferença na postura na arquibancada. Fiz alguns vídeos, depois posto.

Não passei por nenhum cadastro, achei que do lado de fora estava bem tranquilo...a única coisa mais rigorosa mesmo, foi a revista pra entrar no estádio.

Mas voltei pra casa com sentimento estranho, não me lembro de um jogo com clima tão ruim.

Thiago disse...

Esse cadastro tem aqui no Moisés Lucarelli desde o início do Paulista. Como sou sócio, nao compro ingresso, e teoricamente "eles já têm meus dados" e nao preciso preencher cadastro.

Pra coibir a violencia que não é, deve ser pra fazer mala direta.

Edsinho IV Centenário disse...

Barneschi, hoje na Estadão ESPN, lá estava o magnânimo PVC, dizendo aos quatro ventos que não houve punição alguma, pois a polícia deixou entar o pessoal com as camisetas!André,Zulu, LUTO", brincadeira ou quer mais?

gregory disse...

Como podem mandar alguém fazer um trabalho sem prepara-lo antes?

A polícia do RJ é uma merda? Corrupta? Não tem o que discutir.

Mas ao menos os caras entendem de torcida, são preparados pra isso, falta de conhecimento não dá pra falar que eles tem.

A ideia do GEPE é muito boa, infelizmente na prática não é. Mas acho que podiam fazer isso aqui em SP.

Gregory - Torcida Acadêmicos da Savoia.

joao ananindeua disse...

e voces aqui seus tolos acreditam nesse absurdo e inespito depoimento

é tudo mentiura, é tudo labia-solta

acordem alienados

Anônimo disse...

Pelos relatos dos amigos, o clima ta pesado por ai. Uma pena não estar com vocês nessa.


abs,


Moa.

Anônimo disse...

O q é inespito?